segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Nova crise assombra empresas de energia

Assim como nos filmes de terror, em que os personagens matam todos os zumbis para serem novamente atacados quando começam a respirar aliviados, as distribuidoras, após um 2013 desgastante, correm o risco de sofrer uma nova crise financeira em 2014. Essa analogia entre o setor elétrico brasileiro e as histórias de assustar está no relatório de novembro da PSR, consultoria que tem entre os sócios Mário Veiga, um dos mais respeitados especialistas em energia do País.

O título do relatório dá uma noção sobre as dúvidas que pairam sobre o setor: "As Distribuidoras Voltarão ao Fundo do Poço Financeiro em 2014?" As incertezas são muitas e parte da resposta, segundo a análise que se estende por 13 páginas, será dada em 17 de dezembro. Nessa data, ocorre um leilão que pretende garantir contratos de energia para abastecer as distribuidoras e vai definir o destino do caixa delas a partir do próximo ano. "O leilão será uma espécie de divisor de águas para o setor no aspecto financeiro", diz Nelson Fonseca Leite, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).

Para entender quão delicado é o momento, é preciso retroceder no tempo. O governo federal passou 2013 realizando manobras contábeis para tapar buracos no setor elétrico. Pelas estimativas da PSR, a conta total do Tesouro pode fechar o ano em R$ 17bilhões. Pouco mais de 12% desse valor (R$ 2,1 bilhões até setembro) foi usado para uma finalidade específica: cobrir o gasto das distribuidoras com a compra de 2 mil mega-watts (MW) médios no chamado mercado à vista. Nesse mercado, o preço oscila de acordo com as chuvas, o nível dos reservatórios, o número de térmicas ligadas e a demanda dos compradores. Enfim, é o lugar dos imprevistos financeiros.

A referência da PSR ao retorno dos zumbis vem do fato de que agora, em dezembro de

2013, contratos que somam outros 4 mil MW médios vão vencer. O buraco no abastecimento, via contratos, chegaráaómil

MW médios. É uma enorme quantidade de energia. Corresponde a mais de um terço do abastecimento de todas as residências do País. "A raiz dessa bola de neve é a teimosia de uma estratégia política: insistir em dar o desconto da conta de
luz quando não era viável", diz Priscila Lino, consultora da PRS. "O governo deveria ter recuado porque havia problemas, como o baixo nível dos reservatórios e o alto custo de ligar as térmicas por muito tempo."

O nível de exposição das distribuidoras varia. Alguns exemplos: Copei precisa de 1 mil MW médios, 33% de sua carga, Elektro, de 34% da carga, CEEE, 27%, AES-SUL, 25%, Light, 12%, CPFL, de cerca de 5%.

A convivência com esse rombo é uma situação atípica para as distribuidoras - situação essa criada pelo próprio governo. Pelas regras do setor, elas sempre devem ter contratos assinados com geradoras, com preços definidos, para cobrir praticamente todo o fornecimento dos clientes. Dessa maneira, podem planejar fluxo de caixa e investimentos, e os consumidores não terão surpresas desagradáveis com a conta de luz. A regra, aliás, foi criada durante a gestão da então ministra de Minas e Energia Dilma Rousseff.

; Ocorre que em 2012, quando os contratos começaram a vencer, o governo decidiu não fazer o leilão para renová-los. Isso obrigou as distribuidoras a depender do mercado à vista. Só depois, percebeu-se que elas poderiam quebrar e o Tesouro foi escalado para socorrê-las.

Cenários. O primeiro leilão feito em 2013 para atender os contratos não teve interessados. No próximo, o preço-teto é de R$ 192 o MWh. "O valor é atraente, mas cada gerador fará sua análise e não há como prever o resultado", diz Priscila. Segundo levantamento da PSR, Eletronorte e Fumas, geradoras federais que aceitam preços mais baixos, têm uns 2.500 MW médios de sobra para oferecer. Mas outros 2.100 MW médios estão com Cesp, do Estado de São Paulo, e Cemig, do Estado de Minas, que buscam retornos mais altos.

A PSR traçou cenários para o leilão. No mais otimista, as distribuidoras terão de desembolsar, no máximo, um terço da geração de caixa anual para cobrir a compra de energia no leilão e serão ressarcidas na primeira revisão da conta de luz. No segundo cenário, o leilão comercializa metade da energia prevista. Nesse caso, as distribuidoras terão de comprar parte no mercado à vista e ficarão expostas ao sob e desce do preço. Se o preço em 2014 for igual ao de 2013, o gasto será de R$3,4 bilhões , valor que compromete a saúde financeira do setor. Se nada for negociado, a conta (usando-se o mesmo critério anterior) vai a R$ 6,8 bilhões, um valor considerado impagável, pois consumiria 78% do caixa do setor.

Distribuidoras não têm folga de caixa para mais despesas 
No aspecto financeiro, 2013 foi de arrepiar para as distribuidoras. Elas passaram por uma revisão tarifária, já prevista, que reduziu a remuneração de ativos da casa de 12,5% para 7,5%. Isso, na média, encolheu em 21% a geração de caixa. Em algumas empresas, a redução foi de 30%. As distribuidoras ainda arcaram com outras despesas excepcionais, como a compra de energia no mercado à vista e o rateio da conta das térmicas. No início do ano, a previsão era que essa sobrecarga poderia quebrar o setor - e o tempo mostrou que assim seria se o governo não tivesse feito um socorro. Até setembro, o Tesouro transferiu cerca de R$ 11 bilhões para as distribuidoras, cuja geração anual de caixa é de R$ 9 bilhões. Se o leilão tiver poucos interessados, o quadro piora. "Sou um otimista e espero pelo melhor, mas a situação não é nada boa", diz Nelson Leite, presidente Abradee. "Temos conversado com o governo, pois precisamos acertar como as distribuidoras serão reembolsadas porque não há folga de caixa para assumir mais despesas." No mercado, é certo que, na próxima semana, Leite e presidentes de distribuidoras têm audiência com a presidente Dilma para tratar do problema. Segundo Leite, o encontro não está confirmado. (O Estado de S. Paulo - 08/12)
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