Os bons propósitos da Medida Provisória 579 - que promoveu mudanças nas concessões do setor elétrico prometendo redução nas tarifas e consequente incentivo ao crescimento industrial- transformaram-se em pesadelo para o próprio governo e em sério revés para os investimentos. A redução das tarifas, que no setor industrial deveria chegar entre 20% e 25%, não passou de 10%, insuficientes para que os custos nacionais se tornassem competitivos. O resultado é que muitas empresas estão freando seus investimentos e olhando para o outro lado da fronteira, algumas delas para o vizinho Paraguai. O peso maior recaiu sobre o mercado livre de energia, que alimenta cerca de 70% do PIB nacional.
"O custo da energia está inviabilizando muitos negócios do lado da indústria, além das incertezas dos novos projetos de geração. O setor que mais sofre nesse momento é o eletrointensivo, onde o custo da energia chega a representar 50% do produto final. Com uma das tarifas mais altas do mundo, torna-se impossível competir no mercado internacional", diz Carlos Faria, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace). "A MP 579, que nasceu com intenção de reduzir a tarifa de eletricidade, resultou em um enorme desastre", afirma.
A principal razão para esse desdobramento negativo foi o acionamento das termoelétricas por um período mais longo. Muitas ainda não foram desligadas. A culpa, segundo especialistas, não seria apenas do volume menor de chuva que caiu no último Verão, mas sobretudo da falta de planejamento no uso dos reservatórios. "O custo do acionamento das térmicas está próximo dos R$ 17 bilhões", diz Edson Carneiro, coordenador dos comitês de Geração de Energia e de Transmissão de Energia da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).
Segundo um levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), "o custo das distribuidoras como um todo é da ordem de R$ 100 bilhões". Nos cálculos da confederação, "o custo das termelétricas pode chegar a R$ 10 bilhões, o que significa que está tirando do sistema 10% dos 20% que foram dados", diz José Mascarenhas, coordenador do Conselho de Infraestrutura da CNI e presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb).
"Esses 10% serão cobrados dos usuários ao longo de cinco anos", completa. Num horizonte mais amplo - observa Mascarenhas - a pergunta que se faz é se nos próximos anos as térmicas terão que ser usadas em escala ainda maior e se haverá demanda no crescimento.
O dano maior, de acordo com Carneiro, é a "frustração no aumento da produtividade da indústria", que se esperava com a MP 579 e que se atribui à "incapacidade do governo". "Indústrias do setor - especialmente as grandes consumidoras de energia - estão postergando seus investimentos", diz o diretor da Abdib.
"A Alcoa suspendeu a produção nas instalações em Minas Gerais por causa do preço alto da energia elétrica do Brasil e está com alternativas melhores em outras partes do mundo. Se ela tomou a decisão de parar o que existe, imagine investir em novos projetos para gerar alumínio?", pergunta. As atenções já estariam se voltando para o Paraguai, que "pratica uma tarifa muito abaixo da nossa", diz Mascarenhas. "Empresas brasileiras estão negociando se deslocar para lá, produzir lá e mandar para cá. É possível que haja uma fuga de empresas para aquele país, de setores como alumínio, por exemplo. O Paraguai tem uma grande reserva de energia, porque a metade da produção de Itaipu é dele, e está vendo aí uma grande oportunidade", afirma.
Para o presidente da Fieb, a tarifa brasileira deixa de ser competitiva por conta dos "muitos e altos impostos". "O principal deles é o ICMS, que vai de 25% e em alguns lugares e chega a atingir 40% em outros. Isso tira qualquer possibilidade de termos uma energia competitiva", completa. Na sua avaliação, apesar das frustrações, a MP 579 que se transformou na Lei 12.783 foi bem intencionada e conseguiu algumas reduções nos custos. "Sem essa lei, seria muito pior", afirma.
"Cerca de 50% do valor final da energia são impostos mais encargos regulatórios", observa Iara Pasian, líder da Deloitte para os segmentos de infraestrutura e especialista em auditoria para empresas do setor elétrico. "O que estava previsto também nessa lei era a redução do PIS e do Cofins. O governo já mexeu com os encargos mas ainda não alterou os impostos, porque o ICMS é um fator cobiçado pelos Estados e é significativo seu percentual nas contas de luz", explica. Iara acrescenta que indústria e consumidor já "perceberam uma queda nas tarifas, mas o governo ainda não conseguiu reduzir entre 20% e 25%, conforme prometido". (Valor Econômico)
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