quarta-feira, 29 de maio de 2013

Novo embate põe em risco conta de luz e desonerações

Duas semanas após a conturbada aprovação da Medida Provisória (MP) dos Portos, o governo federal assiste mais duas MPs consideradas prioritárias terem seu futuro atrelado a uma decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). São elas: a que desonera diversos setores da economia e a que reduz a tarifa da energia elétrica. Ambas foram aprovadas ontem pela Câmara dos Deputados, mas, como perdem a validade na próxima terça-feira, extrapolam o prazo mínimo de sete dias de tramitação no Senado que Renan disse que cumpriria a partir da aprovação da MP dos Portos. Naquela ocasião, a MP chegou ao Senado horas antes de perder validade.

Ontem, o senador foi flagrado por jornalistas em ligação com a secretária-geral da Mesa do Senado, Cláudia Lyra, afirmando que não leria as MPs. "Não, não vou ler. Não vou ler nenhuma das duas [MPs]. Nenhuma", disse. Questionado sobre a decisão, foi incisivo: "A questão não é política, é matemática". A leitura em plenário é o primeiro passo para que as MPs possam ser colocadas em votação. Após reunião com os líderes, Renan manteve o compromisso principalmente após manifestações da oposição de que não aceitaria que ele recuasse. "A única chance era um consenso. Sem o consenso a regra está mantida", disse Renan.

No início da noite, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hofmann, já deu certa a perda de validade das MPs, mas disse que o governo iria encontrar alguma saída para preservar a redução no preço da conta de luz, um dos eixos da propaganda do governo Dilma Rousseff. A tendência é que trechos da MP sejam inseridos em outra MP que já tramita no Congresso Nacional. A base aliada também articula uma saída. Logo no início da sessão de ontem do Senado, o líder do governo na Cas, Eduardo Braga (PMDB-AM), pediu a leitura do recebimento da proposta, permitindo sua inclusão na pauta de amanhã. Braga foi apoiado por PT e PMDB.

Como o plenário é "soberano" em relação às decisões da Casa, caso a maioria dos senadores apoie a iniciativa, o presidente não terá alternativa, a não ser receber e colocar em votação a MP 605. A oposição voltou a reclamar e Renan decidiu votar os projetos que estão na pauta do plenário para somente depois retomar a discussão. Até o fechamento desta edição, às 22h30, o debate não havia sido retomado.

Ficou evidente, porém, mais um desacerto da articulação política do governo. Desta vez, com um novo componente. Isso porque foi um entrevero entre as ministras Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvatti (Secretaria de Relações Institucionais) que impediu a Câmara dos Deputados de aprovar as duas MPs no prazo mínimo exigido pelo Senado.

Na segunda-feira, durante a reunião dos líderes da base com representantes das Relações Institucionais, a ordem vinda da Casa Civil era não aceitar qualquer tratativa sobre a votação do projeto de lei complementar (PLP) 200, de 2012. A proposta põe fim a uma contribuição social cobrada de empresários em caso de despedida de empregado sem justa causa. Sua alíquota é de 10% sobre o FGTS e rende ao governo R$ 3,2 bilhões ao ano.

Mas com a recusa do governo em negociar esse PLP, partidos da base como PSD e PSB se aliaram a oposição para obstruir a sessão. O resultado foi que as duas MPs, consideradas prioritárias pelo governo, não puderam ser votadas na segunda-feira, último dia possível diante do calendário apresentado por Renan. Entretanto, nesse meio tempo um acordo estava sendo traçado entre o ministro das Cidades, Agnaldo Ribeiro (PP); o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), e Gleisi. Nos seguintes termos: o governo aceitava discutir o PLP se ele viesse repaginado, com a destinação desses R$ 3,2 bilhões anuais arrecadados pela União para um fundo gerido pelo ministério com o objetivo de construir moradias populares. Nesse molde, sairia bom para os dois. O PP fortalece sua Pasta e a União mantém os recursos para si. O redesenho do projeto deve ser apresentado pelo PP na próxima semana e tramitará junto com o PLP 200, cuja data de votação está marcada para o dia 3 de julho.

O problema foi que Ideli, responsável pela articulação política direta com o Congresso, não ficou sabendo do andamento desse acordo. Quando soube, já eram mais de 22h da segunda-feira e a sessão para votar as MPs já tinha sido derrubada justamente por não haver acordo entre governo e base sobre o PLP 200. As MPs, assim, só puderam ser apreciadas ontem, quando o prazo estipulado por Renan já havia estourado. O que também não desanimou a Câmara de levar adiante a votação, em especial a da MP que desonera diversos setores da economia. Quando chegou a Casa, ela tinha sete artigos. Saiu com 36. A maioria das inovações partiu do relator, senador Armando Monteiro (PTB-PE). (Valor Econômico)