quarta-feira, 13 de março de 2013

Governo planeja ampliar controle sobre agências

O governo prepara uma reestruturação das agências reguladoras -responsáveis por garantir a qualidade de serviços como telefonia, aviação, eletricidade, transporte e abastecimento de água. Num primeiro momento, elas ganharão capacidade de fiscalização, mas estarão sujeitas a um controle maior por parte do governo federal. No médio e longo prazo, elas deverão perder, para os ministérios, o poder de concessão dos serviços, que é um dos pilares do modelo instaurado no governo FHC. Na avaliação da atual gestão, o sistema está "defasado".

As primeiras medidas estão ainda sendo acertadas e devem ser anunciadas até sexta. A Folha apurou que a presidente Dilma Rousseff vai condicionar o repasse de verbas extras à "produtividade" de cada agência reguladora. Os órgãos terão que elaborar um novo regulamento especificando os níveis de serviço a serem cumpridos pelas concessionárias. Aqueles que conseguirem fazer com que as empresas reguladas cumpram as metas e elevem os padrões de qualidade receberão mais recursos.

Esse "bônus" estará previsto no Orçamento e deverá estimular a contratação de mais funcionários para a equipe de fiscalização das agências, que o governo pretende ver "turbinada" no curto prazo. O cadastro de reclamações dos Procons será uma das principais referências para o cumprimento dos "níveis de serviço" pelas agências.

Um dos modelos em estudo para normatizar a nova relação entre agências e governo são os contratos de gestão. Por eles, os reguladores podem até ser punidos se não atingir as metas.

MENOS PODER - Mas a reforma vai além. Segundo Luiz Alberto da Silva, subchefe para assuntos governamentais da Presidência da República, "o que o governo deseja é que o projeto que está em tramitação seja finalmente apreciado". O projeto, de 2004, é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e prevê a transferência do poder de outorga (concessão de um serviço) das agências para os ministérios. "É mais do que hora para que isso aconteça para garantir a transparência da gestão das agências (...), o controle social etc.", disse Silva.

A Casa Civil e a presidente Dilma Rousseff negam o interesse no projeto. Mas, no passado, Dilma já foi sua defensora. "Transferir para as agências o exercício do poder concedente foi um equívoco", disse em junho de 2004 -quando era ministra (Minas e Energia)- na Câmara. Hoje, lideranças no Congresso que acompanham as negociações afirmam que não está descartada a possibilidade de a reforma ser feita por medida provisória, caso o projeto não avance.

A Presidência e a Casa Civil negam essa possibilidade.
Na prática, porém, essa mudança já está sendo feita discretamente e "caso a caso". Em 2004, o poder de outorga de concessões elétricas saiu da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para o ministério. Em 2012, com a medida provisória que definiu as novas regras para os portos, as concessões, antes com a Antaq (transportes aquaviários), passaram para a Secretaria dos Portos. "Falta ainda ajustar isso em relação à ANTT [transportes terrestres] e à Anatel [telecomunicações]", afirmou Luiz Alberto da Silva.

ANÁLISE
Para melhorar a qualidade dos serviços públicos brasileiros, basta cumprir a lei
Cobrar das agências reguladoras uma atuação mais firme na busca de melhores serviços públicos é elogiável. Mas condicionar a transferência de mais recursos a metas de qualidade das operadoras é repisar num equívoco. Funciona assim: o governo fixa metas que, se atingidas, asseguram ao órgão mais autonomia e recursos. Nos anos 1990 isso foi tentado com os chamados contratos de gestão, que entraram na Constituição, mas nunca foram plenamente usados. Contratos de gestão são úteis para incentivar estatais a serem mais eficientes. Mas não são próprios para agências reguladoras, que têm autonomia prevista na lei.

Duas agências (ANS e Aneel) previram esse mecanismo, que nunca foi totalmente implementado. Nem produziu resultados satisfatórios. Verdade que muitas agências têm falhado nas suas missões. Por duas grandes razões. Faltam recursos e diretrizes claras. Sem isso, o regulador se limita a aplicar multas que caem no vazio.

A maioria das agências tem receitas que são pagas por nós, usuários, dentro das tarifas. Só que esse dinheiro vai para o Tesouro e não é liberado. São os recursos que agora se quer vincular à melhoria dos serviços. Mas a ordem está invertida. As agências devem ter acesso às taxas que pagamos e serem cobradas pela melhor atuação das operadoras. E o governo deve fixar metas e objetivos factíveis.

Se quisermos serviços públicos confiáveis e de qualidade, devemos simplesmente cumprir a lei: o governo fixa diretrizes, a Fazenda libera os recursos das taxas que pagamos e a agência atua preventiva e tecnicamente para assegurar melhor desempenho das empresas. Fora isso, é querer redescobrir o fogo. Pior: usando lenha molhada. Não vai funcionar.