Um impasse criado na liquidação de janeiro do mercado de energia de curto prazo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) travou as operações e pode gerar uma perda de quase R$ 600 milhões à Eletrobras. O problema também pode abrir uma nova crise no setor elétrico, que ainda vive a ressaca da renovação das concessões iniciada com a Medida Provisória 579/2012, transformada na Lei 12.783.
A estatal, por meio de Itaipu e do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa), corre o risco de ter que desembolsar R$ 567,8 milhões por ter ficado na condição de devedora na liquidação de janeiro. A exposição ocorreu por uma conjuntura de mercado criada por uma brecha regulatória aberta pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Diante do problema, a autarquia acatou pedido da Eletrobras e suspendeu a liquidação de janeiro, cujo resultado sairia na última quarta-feira. A agência ainda abriu um processo de audiência pública até 22 de março para discutir o assunto. Até lá, ninguém paga e ninguém recebe. No mercado, cogita-se que Cemig, Cesp, Copel e Tractebel estariam entre as beneficiadas na liquidação. Outra credora prejudicada pela suspensão da operação é Petrobras que receberia cerca de R$ 1 bilhão pela energia gerada por suas térmicas.
Não por acaso, a decisão da Aneel que travou o mercado desagradou boa parte dos agentes. "Achamos muito estranho pela forma que tudo aconteceu. Baseado no pedido de um agente foi concedido um efeito suspensivo e o mercado parou", afirma o presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine), Luiz Fernando Vianna, se referindo à Eletrobras.
O problema, considerado complexo e delicado até por especialistas acostumados com o costumeiro "imbróglio" do setor elétrico, ocorreu em um processo chamado sazonalização. Trata-se de um mecanismo no qual as geradoras declaram à CCEE de que forma pretendem distribuir a sua garantia física ao longo do ano. Historicamente, a declaração de sazonalizadade é feita todo ano em dezembro. Mas, por precisar de mais tempo para implementar os dispositivos da Lei 12.783, a CCEE alterou, com a autorização da Aneel, o prazo para 15 de fevereiro. Com a brecha trazida por essa extensão, os geradores decidiram a posteriori a quantidade de energia firme que iriam alocar nos primeiros dois meses do ano, quando já conheciam o valor do preço de curto prazo de janeiro.
Ao notarem o preço elevado em janeiro, devido ao baixo volume de chuvas no período, alguns geradores alocaram mais de sua energia "firme" nos dois primeiros meses do ano, tornando-se credores na liquidação da CCEE. Mas, no caso de Itaipu e da energia do Proinfa, ambos gerenciados pela Eletrobras, não foi possível fazer a sazonalização, já que essa energia gerada é vendida em cotas para as distribuidoras.
No recurso enviado à Aneel, ao qual o Valor teve acesso, a Eletrobras afirma que houve manipulação do mercado que, segundo ela, pode ser comprovado pelo fato de o volume de energia "firme" oferecido em janeiro (45.163.565,23 MWh) ter sido 30% maior que o volume de dezembro. "E essa situação pode se repetir para o mês de fevereiro, caso permaneça inalterada a sazonalização realizada pelos agentes", alega a estatal elétrica no documento.
Para alguns especialistas ouvidos pelo Valor, as perdas para a Eletrobras podem superar R$ 1 bilhão se for considerada a contabilização do mês de fevereiro, o que vai afetar diretamente o caixa da estatal. Além disso, esse custo pode ser repassado ao consumidor em 2014.
Em reunião da Aneel na terça-feira, o diretor-geral da agência, Nelson Hubner, afirmou que ficou perplexo ao saber que agentes tinham liberdade para sazonalizar os contratos. O adiamento do prazo da sazonalização foi aprovado pela Superintendência de Estudos do Mercado sem passar pelo crivo da diretoria da agência reguladora. Para especialistas, a avaliação é de que mesmo que a Aneel tenha cometido um erro, mudar a regra agora seria pior e poderia gerar risco regulatório. Segundo fontes ouvidas pelo Valor, a própria CCEE teria sido contrária à decisão da agência. Procuradas, a CCEE e a Eletrobras não quiseram comentaram o assunto. (Valor Econômico)
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