sexta-feira, 15 de março de 2013

Aneel trava mercado de curto prazo

Um impasse criado na liquidação de janeiro do mercado de energia de curto prazo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) travou as operações e pode gerar uma perda de quase R$ 600 milhões à Eletrobras. O problema também pode abrir uma nova crise no setor elétrico, que ainda vive a ressaca da renovação das concessões iniciada com a Medida Provisória 579/2012, transformada na Lei 12.783. 

A estatal, por meio de Itaipu e do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa), corre o risco de ter que desembolsar R$ 567,8 milhões por ter ficado na condição de devedora na liquidação de janeiro. A exposição ocorreu por uma conjuntura de mercado criada por uma brecha regulatória aberta pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). 

Diante do problema, a autarquia acatou pedido da Eletrobras e suspendeu a liquidação de janeiro, cujo resultado sairia na última quarta-feira. A agência ainda abriu um processo de audiência pública até 22 de março para discutir o assunto. Até lá, ninguém paga e ninguém recebe. No mercado, cogita-se que Cemig, Cesp, Copel e Tractebel estariam entre as beneficiadas na liquidação. Outra credora prejudicada pela suspensão da operação é Petrobras que receberia cerca de R$ 1 bilhão pela energia gerada por suas térmicas. 

Não por acaso, a decisão da Aneel que travou o mercado desagradou boa parte dos agentes. "Achamos muito estranho pela forma que tudo aconteceu. Baseado no pedido de um agente foi concedido um efeito suspensivo e o mercado parou", afirma o presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine), Luiz Fernando Vianna, se referindo à Eletrobras. 

O problema, considerado complexo e delicado até por especialistas acostumados com o costumeiro "imbróglio" do setor elétrico, ocorreu em um processo chamado sazonalização. Trata-se de um mecanismo no qual as geradoras declaram à CCEE de que forma pretendem distribuir a sua garantia física ao longo do ano. Historicamente, a declaração de sazonalizadade é feita todo ano em dezembro. Mas, por precisar de mais tempo para implementar os dispositivos da Lei 12.783, a CCEE alterou, com a autorização da Aneel, o prazo para 15 de fevereiro. Com a brecha trazida por essa extensão, os geradores decidiram a posteriori a quantidade de energia firme que iriam alocar nos primeiros dois meses do ano, quando já conheciam o valor do preço de curto prazo de janeiro. 

Ao notarem o preço elevado em janeiro, devido ao baixo volume de chuvas no período, alguns geradores alocaram mais de sua energia "firme" nos dois primeiros meses do ano, tornando-se credores na liquidação da CCEE. Mas, no caso de Itaipu e da energia do Proinfa, ambos gerenciados pela Eletrobras, não foi possível fazer a sazonalização, já que essa energia gerada é vendida em cotas para as distribuidoras. 

No recurso enviado à Aneel, ao qual o Valor teve acesso, a Eletrobras afirma que houve manipulação do mercado que, segundo ela, pode ser comprovado pelo fato de o volume de energia "firme" oferecido em janeiro (45.163.565,23 MWh) ter sido 30% maior que o volume de dezembro. "E essa situação pode se repetir para o mês de fevereiro, caso permaneça inalterada a sazonalização realizada pelos agentes", alega a estatal elétrica no documento. 

Para alguns especialistas ouvidos pelo Valor, as perdas para a Eletrobras podem superar R$ 1 bilhão se for considerada a contabilização do mês de fevereiro, o que vai afetar diretamente o caixa da estatal. Além disso, esse custo pode ser repassado ao consumidor em 2014. 

Em reunião da Aneel na terça-feira, o diretor-geral da agência, Nelson Hubner, afirmou que ficou perplexo ao saber que agentes tinham liberdade para sazonalizar os contratos. O adiamento do prazo da sazonalização foi aprovado pela Superintendência de Estudos do Mercado sem passar pelo crivo da diretoria da agência reguladora. Para especialistas, a avaliação é de que mesmo que a Aneel tenha cometido um erro, mudar a regra agora seria pior e poderia gerar risco regulatório. Segundo fontes ouvidas pelo Valor, a própria CCEE teria sido contrária à decisão da agência. Procuradas, a CCEE e a Eletrobras não quiseram comentaram o assunto. (Valor Econômico)
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