Em um país onde 69 milhões de brasileiros sofrem com apagões, boa parte dos R$ 269 bilhões em investimentos previstos para o setor elétrico até 2021 pode ficar comprometida com o pacote do governo para o setor. As novas regras vão permitir a redução das tarifas ao consumidor e à indústria em 20%, em média, a partir de fevereiro de 2013. Mas, para especialistas, as empresas não terão caixa suficiente para o aumento de geração e transmissão na próxima década.
Ao mesmo tempo, o próprio governo já admite que serão necessários mais investimentos em transmissão. Somente entre 2006 e 2011, o número de horas que o brasileiro ficou sem luz subiu 15%, para 18,4 horas. Pelo cronograma atual, entre 2012 e 2021, estão previstos R$ 56 bilhões em novas linhas, número que responde por quase 21% do total planejado para o setor elétrico. Para a geração de energia, a estimativa é de R$ 269 bilhões. Os dados, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), levam em conta um crescimento médio da economia de 4,4%, de 2012 a 2017, e de 5%, entre 2018 e 2021.
Os especialistas acreditam que os investimentos podem ter forte recuo a partir de 2015, já que só metade do programado está em andamento. Segundo eles, as empresas levam de três a cinco anos para concluir os projetos vencidos em leilão, revela Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos em Energia Elétrica da UFRJ.
Pela proposta do governo, serão eliminados ou reduzidos encargos embutidos na conta de luz e, além disso, as concessionárias aplicarão descontos nas tarifas. Para viabilizar o desconto, as concessionárias serão indenizadas, pelos investimentos que fizeram e ainda não foram amortizados. Mas o governo anunciou indenizações abaixo do esperado pelas empresas. A Eletrobras, por exemplo, esperava receber R$ 30 bilhões e terá apenas R$ 14 bilhões.
O consultor Fernando Soares, da Universidade Federal Fluminense (UFF), ressalta que, entre os projetos já programados, a principal preocupação é com as obras, que podem atrasar:
- Os recursos planejados pelo governo são robustos e atendem à necessidade de crescimento do país. A questão é saber se as empresas vão conseguir executar as obras. O setor vai ser muito afetado, pois terá seu caixa reduzido.
O consultor Raimundo Batista cita o caso da Chesf, que tem 8,9% da potência instalada no Brasil, a maior entre as empresas do país. Segundo seus cálculos, a companhia vai ver seu caixa ser reduzido em R$ 2,7 bilhões, de R$ 3 bilhões para R$ 300 milhões, já no próximo ano. Em dez anos, a perda será de R$ 20 bilhões:
- Ao renovar a concessão, a empresa, no primeiro ano, vai receber uma indenização de R$ 3,3 bilhões. E depois? A geração de caixa fica prejudicada. Será uma nova companhia. A Chesf terá de renovar suas concessões já no início de 2013 e será a mais afetada. Depois, o mesmo vai ocorrer com as outras empresas, como Furnas. Por isso, o plano do governo corre o risco não ter investidor. Há temor de que, lá na frente, o governo tenha que reduzir o ágio para atrair investidores.
Castro, da UFRJ, também acredita que "o barato pode sair caro" e mostra preocupação com os investimentos. Segundo ele, há dúvidas sobre a qualidade dos empreendedores. Ele lembra que muitas termelétricas foram contratadas e ainda não saíram do papel. Por isso, ressalta, é preciso que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) crie mais mecanismos de garantia:
- Estamos falando dos investimentos futuros, mas hoje sofremos com problemas de manutenção das linhas. Pelo visto, em decorrência do grande número de apagões, os gastos com manutenção não estão sendo suficientes.
Segundo a Aneel, o número de brasileiros afetados pela interrupção de energia aumentou quase 37% nos últimos dez anos. Do outro lado, o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, lembra que o setor vai investir no reforço de linha em capitais. Além disso, lembra que até 2021 a capacidade de geração vai crescer 56% e a linha de transmissão vai subir 46,4%.
- A rede brasileira está cada vez mais complexa. Estamos analisando se é possível aumentar a redundância, elevando, assim, a segurança, e reduzindo o número de cortes. Mas a questão é saber o quanto isso iria elevar o custo para o consumidor - revela Tolmasquim. (O Globo)
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