Metade dos cerca de R$ 270 bilhões em investimentos previstos para o setor elétrico até 2021 pode não sair do papel, de acordo com especialistas em energia. Isso porque, dizem, as empresas de energia terão sua geração de caixa afetada com as novas regras do setor que têm por objetivo reduzir em 20%, em média, as tarifas aos consumidores e às empresas, a partir de fevereiro de 2013. As indenizações oferecidas pelo governo para as empresas que aceitarem renovar suas concessões pelas novas regras, a partir de janeiro, foram consideradas muito baixas pelo mercado. Na visão de especialistas, podem faltar recursos para novos investimentos.
Segundo o consultor Raimundo Batista, as empresas que renovarem as suas concessões terão uma nova realidade a partir de janeiro. Ele cita alguns exemplos. A Chesf, reponsável por 8,9% da potência instalada no país, terá uma redução de R$ 2,7 bilhões em sua geração de caixa já em 2013. Furnas, responsável por 8,1% da capacidade no Brasil, pode sofrer redução de R$ 1,3 bilhão por ano.
- Só com as duas maiores empresas do setor as perdas serão enormes. Quem vai ter capacidade de entrar nos novos leilões de energia? O governo pode não encontrar investidores para dar sequência aos planos de investimento. A Chesf, por exemplo, é dona de 15% do Consórcio Norte Energia, que toca Belo Monte. Com isso, até a operação de Belo Monte pode ficar comprometida - afirma Batista.
Para setor, cresce risco de apagões
O montante de R$ 270 bilhões é o quanto a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e Energia, estima ser necessário em investimentos em transmissão e geração de energia para fazer frente à expectativa de aumento da demanda no país até 2021. Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos em Energia Elétrica da UFRJ, ressalta que metade deste valor já está programado, após os leilões de energia em anos anteriores. Ele explica que as empresas levam de três a cinco anos para gerar a energia comprada em leilão. Com isso, há o temor entre os especialistas de que cerca de R$ 135 bilhões possam ficar sem investidores.
- A questão é sobre a qualidade dos empreendedores. Além dos novos investimentos, é possível verificar que, entre o que já está programado, pode haver atrasos. Algumas termelétricas ainda nem saíram do papel. Por isso, o governo tem de criar mecanismos mais eficazes para quem ganha o leilão. É preciso um acompanhamento mais sistemático. Se a economia tivesse crescido 5% este ano, faltaria energia.
A cúpula da área de energia elétrica do governo federal ironizou ontem o mercado financeiro, por ter feito análises consideradas errôneas que resultaram em uma forte queda das ações do setor desde que foram anunciadas as novas regras. Por outro lado, as empresas do setor, no Congresso, reclamaram, alegando que foram pegas de surpresa.
O governo alega que todas as condições para o pagamento de indenizações e para a renovação sob tarifas menores dos contratos a vencer até 2017 tinham regras claras, que vinham sendo discutidas com o mercado desde 2009. O ministro interino de Minas e Energia, Marcio Zimmermann, assegurou que é rentável, para as empresas, renovar as concessões agora.
- Se alguém errou, é mais por desconhecimento do que qualquer outra razão - disse Zimmermann, sobre as perdas das ações do setor na Bolsa.
O presidente da Cemig, Djalma de Moraes, disse ontem no Congresso que, pelos cálculos da empresa, seus ativos de transmissão valem R$ 1 bilhão, mas que o governo propôs apenas R$ 285 milhões.
- Fomos pegos de surpresa com a MP. O tema estava fechado no ministério - disse o presidente da Associação das Grandes Empresas de Transmissão (Abrate), José Claudio Cardoso.
A MP 579 começou a ser discutida ontem pela comissão mista do Congresso e já conta com 431 emendas. No Congresso, as empresas querem um prazo de 30 dias para decidir se aceitam ou não a proposta, a contar da publicação da lei no Diário Oficial. O governo fixou em 4 de dezembro a data final.
Tanto a Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia (Apine) quanto a Abrate disseram que, com a baixa remuneração, aumenta o risco de apagões no Brasil.
- A indústria requer investimentos contínuos para garantir eficiência, qualidade e segurança energética - disse Denise Sabbag, da Apine.
Na contramão da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que fechou em alta de 2,15%, aos 59.458 pontos, influenciada pelas eleições americanas, as ações da Eletrobras tiveram a maior queda do pregão, com recuo de 1,36%.
- A Eletrobras teve a maior queda, pois deve ser a única a aceitar as novas regras - disse Luís Roberto Monteiro, da corretora Renascença. O dólar fechou estável, cotado a R$ R$ 2,032. (O Globo)
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