Depois de meses e mesmo anos de adiamento, o governo definiu sua posição quanto à renovação das concessões do setor elétrico por meio de uma medida provisória (MP). Essa MP será discutida no Congresso, num ano eleitoral, levando os investidores do setor a uma série de dúvidas e incertezas sobre a própria continuidade e viabilidade dos seus negócios. A posição assumida pelo governo, de forma unilateral, atinge 20 GW de geração de energia, 85 mil quilômetros de linhas de transmissão e 44 contratos de distribuição.
A MP estabelece que as concessões retornem ao poder concedente, se o concessionário não aceitar uma remuneração a ser calculada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que incluirá somente custos de operação e manutenção. O concessionário terá, ainda, direito a receber, após avaliação também da Aneel, um valor indenizatório correspondente ao montante de investimentos não amortizados, submetendo-se a uma série de condicionantes e exigências para que tenha direito a um novo contrato de 30 anos.
Além disso, o dono da concessão terá de aceitar o rateio de quotas da energia entre as distribuidoras conectadas ao Sistema Interligado Nacional. As concessionárias, ao serem indenizadas pelos valores não amortizados, se comprometem a investir esses valores em novos empreendimentos. À medida que as definições forem decantando e a percepção dos impactos dessas condicionantes entre os interessados for avaliada, as reações serão verbalizadas e vão aflorar ações motivadas de aceitação ou não das imposições de um autoritarismo que havíamos esquecido existir.
O tema da avaliação dos ativos não amortizados é complexo e a forma como será calculado o valor da depreciação, amortização e o valor a ser indenizado aos concessionários será o ponto-chave da aceitação ou não da prorrogação das concessões. Além disso, as lacunas jurídicas e controversas vão descortinar contestações pelos interessados tão logo as regras e os números venham à tona.
As controvérsias já começaram e, do lado do governo, a estimativa de indenizações a serem pagas na reversão das concessões deve alcançar cerca de R$ 21 bilhões. Já estudos feitos por consultores financeiros apontam para R$ 47 bilhões. A estimativa considera a depreciação de ativos até 2015 e se refere a um grupo de 25 empresas (16 distribuidoras e 9 empresas de geração e transmissão).
Não resta dúvida de que o grande apelo popular da MP é a redução das tarifas para todas as classes consumidoras. O lado bastante positivo foi a extinção de dois encargos setoriais e a redução forte de um terceiro encargo. Entretanto, chama a atenção a pouca ousadia do governo federal ao não extinguir o imposto PIS/Cofins. Outro ponto interessante é que, com a extinção dos encargos, essa conta vai para o Tesouro e passa a ser paga por todos os contribuintes, inclusive os de menor nível de renda. Isso ocorre porque a extinção ou redução dessas taxas obrigará o Tesouro a aportar recursos necessários para fazer frente à perda de arrecadação. Ou seja, sai o consumidor e entra o contribuinte.
Cabe lembrar que a ideia de convencer os Estados a diminuir a alíquota do ICMS dificilmente prosperará. Até porque a redução das tarifas levará a uma queda na arrecadação do ICMS sobre as contas de luz. É sempre bom lembrar que o ICMS cobrado da energia elétrica, dos combustíveis e do setor de telecomunicações representa algo em torno de 60% da arrecadação dos Estados.
A MP que agora é colocada num ambiente de eleições deverá ser alvo de uma enxurrada de emendas de parlamentares no Congresso. E o pior: trará como consequência um aumento do risco regulatório no Brasil, no momento em que o governo anuncia um grande pacote de concessões de aeroportos, rodovias e ferrovias. Com certeza, a intenção de reduzir as tarifas de energia elétrica é ótima e merece elogios, porém a hora escolhida e o método utilizado não poderiam ser piores. ADRIANO PIRES e ABEL HOLTZ SÃO, RESPECTIVAMENTE DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA (CBIE), CONSULTOR NA ÁREA DE ENERGIA, NEGÓCIOS, (Valor Econômico)
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