Opinião: Elena Landau
Boa parte das concessões do setor elétrico brasileiro está diante de uma situação estranhíssima. O dia 7 de julho era a data limite para o pedido de prorrogação das concessões de parcela expressiva do setor elétrico, nela se incluindo a grande parte de ativos da Eletrobras e outros pertencentes a empresas estatais, como a Companhia Energética de São Paulo (Cesp), a Companhia Paranaense de Energia (Copel) e Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). A razão é que a Lei nº 9.074, que trata dos prazos e prorrogação de concessões, impõe que qualquer pedido de prorrogação deva ser feito até 36 meses de antecedência do final da concessão.
Como a lei foi editada há 17 anos e nela se prevê que o prazo máximo de prorrogação é 20 anos, as empresas tiveram até o dia 7 de julho para protocolar seus novos pedidos. A situação é estranhíssima porque, como o governo não publicou uma nova lei, as empresas protocolaram pedidos de renovação num vazio legal porque não há nenhum marco regulatório que disponha a possibilidade de prorrogação neste momento.
Toda a atenção do governo esteve para a redução de tarifas, sem se preocupar com o processo como um todo
Para quem está entrando no jogo agora vale uma explicação sobre como chegamos a essa situação anômala. A Constituição e a Lei de Concessões exigem que as concessões sejam reguladas por contratos que trazem direitos e obrigações de cada concessionária. Como havia muitas concessões antigas, outorgadas antes da Constituição de 1988, era necessário fazer uma transição do antigo sistema de simples outorga para o regime contratual. Boa parte do problema foi resolvida através das privatizações, porque as empresas vencedoras assinaram junto com a transferência das ações novos contratos de concessão, e todos eles com cláusula que previa prorrogação, seguindo comando constitucional. No entanto, como o processo de desestatização foi interrompido no meio, várias empresas não foram leiloadas e para se ajustar à exigência legal assinaram contratos, sob a égide da Lei nº 9074, que apesar de serem novos, foram considerados prorrogação, tendo como termo inicial a promulgação da lei, ou seja, 7 de julho de 1995. Essas empresas, portanto, têm o prazo máximo contratual de 20 anos vencendo em menos de 36 meses. Tudo isso pode parecer novo e estranho ao leitor, mas é conhecido e bastante familiar a todos do setor e ao governo, é claro.
Pelas declarações oficiais mais recentes, tudo indica que o governo deverá editar uma Medida Provisória (MP) assegurando a prorrogação das concessões existentes. Na realidade, o setor já trabalha com essa hipótese há anos porque a alternativa - licitação - poderia levar à privatização de boa parte do sistema Eletrobrás, o que não está no cardápio deste governo. A surpresa é o governo ter deixado o tempo regulamentar se esgotar. Nada justifica essa inércia, muito menos a "nonchalance" com que membros do governo tratam de um assunto de tanta importância para o setor e para o país.
Se a prorrogação é certa, os detalhes de como ela ocorrerá são desconhecidos. E aí mora o perigo. As dúvidas são muitas. Novas exigências serão impostas nos contratos? Será uma renovação onerosa? A que preço de energia os contratos serão renovados? Os preços estarão indexados nos novos contratos? Contratos de que duração? Haverá reagrupamento de concessões de distribuição? O que acontecerá com os contratos de energia que vencem antes das concessões serem renovadas? Quando será regulamentada a reversão? Como será calculado o valor dos ativos amortizados e dos investimentos a serem indenizados? Sem saber qual o valor de reversão as empresas não podem nem decidir se querem prorrogar ou devolver seus ativos. Tudo isso só será definido após a promulgação da lei, através da sua regulamentação.
Enquanto o vazio legal permanecer as concessionárias não terão a segurança jurídica necessária para fazer seus planos de investimento e encontram enorme dificuldade em se financiar já que seus contratos, que servem de lastro para seus empréstimos, não têm definidos nem prazo nem preço!
Toda a atenção do governo durante esses anos esteve voltada em usar o momento da prorrogação para reduzir tarifas, sem se preocupar com o processo como um todo. Hoje, o governo se apercebeu, ainda que tardiamente, que sem redução de impostos e encargos, como Reserva Global de Reversão (RGR) e a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), qualquer redução expressiva das tarifas inviabilizaria as empresas concessionárias. Por isso, deve publicar junto com a decisão de prorrogar uma medida provisória para tratar de encargos do sistema.
Na verdade, a carga tributária não é a única causa do alto preço de energia no Brasil. Além dos impostos e encargos, contribui o elevado preço do gás natural decorrente do monopólio de fato da Petrobras e o repasse, através de encargos, das ineficiências das empresas de distribuição que Eletrobrás tem que carregar. Deve-se colocar na conta também a insegurança jurídica que eleva os riscos do negócio e cria dificuldades na obtenção de financiamento, encarecendo o preço do produto final.
Para Eletrobrás, a solução parece ser mais óbvia. É preciso separar essas empresas ineficientes - e inatingíveis - pelo órgão regulador por conta da forte influência política que sua administração sofre - da operação de geração e transmissão que a Eletrobrás faz tão bem. Uma cisão com posterior privatização das distribuidoras federalizadas parece ser a opção ideal. Se isto não for possível, que se dê transparência ao problema, fazendo com que os custos da ineficiência apareçam na conta do Tesouro e não na do usuário de energia.
Para a Petrobras, a solução é mais complexa. Depende da possibilidade de desverticalizar a operação da empresa, dos órgãos de concorrência e da política de preços de seus produtos. Assunto para outro artigo.
Para reduzir o custo de energia é preciso antes de qualquer coisa entender como ele é formado. Sem transparência, maior competição e uma alocação mais eficiente de custos isso não será possível. A boa notícia é que tudo - carga tributária, Eletrobrás, Petrobrás - depende apenas do governo. Dá para baixar o custo da energia, e muito, com prorrogação das concessões - só falta vontade política.
Elena Landau é economista e advogada, sócia do escritório Sergio Bermudes, advogados. Quando esse artigo foi escrito nenhuma lei ou MP havia sido editada sobre o assunto. (Valor Econômico)
Leia também:
* TJLP alivia custos das novas hidrelétricas
* Ativos de iluminação pública ainda causam polêmica
* Projeto de P&D da ANEEL promove primeira geração de energia a partir das ondas do mar
* Para especialistas, redução de impostos pode ser caminho para baixar custo da energia no país
Leia também:
* TJLP alivia custos das novas hidrelétricas
* Ativos de iluminação pública ainda causam polêmica
* Projeto de P&D da ANEEL promove primeira geração de energia a partir das ondas do mar
* Para especialistas, redução de impostos pode ser caminho para baixar custo da energia no país