sexta-feira, 15 de junho de 2012

Ampliação do mercado livre: verdade, riscos e mitos

A defesa do fortalecimento do mercado livre de energia elétrica se tornou prioridade este ano para importantes associações do setor. Foi motivo inclusive da criação da campanha "2012 - O Ano do Mercado Livre", lançada em março, na Câmara dos Deputados, em conjunto com a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Infraestrutura.

Entretanto, já é possível identificar, em diversos fóruns e na imprensa, uma campanha paralela, desta vez pela ampliação do mercado livre de energia elétrica. Seu propósito inicialmente sugere algo importante para o Brasil, mas não revela fielmente seu objetivo.

Por trás, escondem-se interesses comerciais que, apregoando uma possível redução de preços, não esclarecem que tal queda seria meramente temporária e que embutiria graves riscos no processo de migração de aquisição de energia elétrica do ambiente regulado para o ambiente livre, afora os impactos negativos na expansão da produção de energia elétrica no país.

Busca por menores tarifas deve se associar ao custo do suprimento e não apenas ao preço de aquisição

Inicialmente, cabe esclarecer que existem hoje na legislação brasileira duas categorias de consumidores que podem adquirir energia no mercado livre. O consumidor especial é a unidade consumidora com demanda igual ou superior a 500 quilowatt (kW), o qual tem a opção de atuar no mercado regulado ou adquirir energia no mercado livre do produtor de energia renovável produzida por fonte hídrica, solar, eólica ou biomassa, com potência injetada menor ou igual a 50 megawatt (MW).

O outro é o consumidor livre, a unidade consumidora com demanda igual ou superior a 3 mil kW, que pode adquirir energia de qualquer agente de geração e é formado por grandes consumidores. Pretende-se, com a mencionada ampliação do mercado livre, permitir ao produtor de energia elétrica de grande porte atingir e com isso dominar todo o mercado livre brasileiro.

Caso essa tentativa tenha êxito, uma simples elevação nos preços no mercado livre (até provável, por frustração de oferta), ou a redução nos preços do mercado regulado (motivada, por exemplo, pela prorrogação das concessões), fará com que seu retorno à condição de consumidor cativo torne-se imprevisível e dependente da disponibilidade de energia da distribuidora ao qual estiver conectado, podendo ser obrigado a esperar até cinco anos para o retorno.

Nesse ínterim, além de correr os evidentes riscos, se não tiver optado por contratos de energia de longo prazo no mercado livre, poderá ver-se submetido a preços elevados ou à falta de disponibilidade de contratos de compra e venda, o que implicará em consumo de energia a custos imprevisíveis de Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), acrescido de penalidades.

A preconizada ampliação do mercado livre de energia é, na realidade, uma proposta de beneficiamento exclusivo do produtor de energia de grande porte, em detrimento dos consumidores e dos pequenos e médios produtores de energia limpa e renovável, ambientalmente sustentável.

A atual faixa do mercado livre para o consumidor especial teve e tem um papel muito importante na viabilização da construção de Pequenas Centrais Hidrelétrica (PCHs), das termelétricas a biomassa e a resíduos sólidos; além de certamente também desempenhar um papel relevante nos empreendimentos de geração de energia eólica, que assim como as PCHs, passaram a ser construídos em locais antes inexplorados, com pouquíssimos impactos socioambientais.

A geração de energia através de fontes limpas e renováveis, com empreendimentos de pequeno e médio porte, tem sido responsável pela criação permanente de empregos locais, por atender a uma demanda de energia de forma distribuída e próxima aos centros de carga. Ela também reduz os custos com a transmissão, pela pulverização de investimentos em pequenas localidades do Brasil, trazendo riqueza e desenvolvimento para os municípios por meio do aumento de sua participação nas transferências de tributo e contribuindo para a realização de programas socioambientais e tecnológicos nas localidades onde atuam.

Por outro lado, esta ampliação do mercado livre, como está sendo proposta, inviabilizará o desenvolvimento dessa indústria de pequenos e médios produtores de energia, que teve forte impulso a partir de 2003 e que se somente se viabilizou através do incentivo ao mercado de fontes renováveis e a existência do Consumidor Livre Especial.

A ampliação do mercado livre para os grandes produtores de energia elétrica, da forma como pretendida, vai ferir o atual modelo do setor elétrico, com substancial redução da clientela das distribuidoras; clientela essa que celebrará contratos no mercado livre com prazos inferiores a cinco anos (tem sido essa a prática), não viabilizando a construção de novas usinas para o mercado livre e, ainda, frustrando a contratação de novas usinas para o mercado regulado, impactando frontalmente a metodologia atualmente utilizada para garantir a expansão do setor.

Com esses esclarecimentos, a Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel) reitera sua oposição à pretendida ampliação do mercado livre. Rechaçamos a proposta por considerá-la equivocada, sem profundidade e não condizente com a postura de estímulo ao desenvolvimento das fontes alternativas comprometidas com a sustentabilidade ambiental.

Os produtores de energia limpa, objetivando preservar e fortalecer o atual modelo do setor de energia elétrica do Brasil, defendem que a busca por menores tarifas deva estar associada ao custo global do suprimento e não apenas ao preço de aquisição. Outro pleito é que a segurança energética seja atendida não somente nos aspectos de quantidade de energia, mas de confiabilidade e qualidade; e que a geração distribuída seja um vetor da universalização do uso da eletricidade, como preconiza o marco regulatório de março de 2004. Autor; Charles Lenzi é presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel). (Valor Econômico)



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