segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Dez aspectos relacionados ao término dos contratos de concessão do setor elétrico

A partir de 2015, os contratos de concessão público-privados, que cobrem a geração de 20% da capacidade elétrica do país atualmente (58 unidades geradoras), 83% das redes de transmissão (73 mil km de linhas) e 30% do mercado regulado das distribuidoras (41 concessionárias) irão vencer seu prazo legal. Algumas das empresas que se verão afetadas pelo término destes contratos são Furnas, Cesp, Chesf, Copel, Cemig, Eletronorte, Eletrosul, entre outras.
De acordo com o que vem sendo publicado pelos meios de comunicação, de maneira ainda muito rasa, é de interesse da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), do Ministério de Minas e Energia (MME) e das associações representativas das empresas do setor elétrico que o governo decida pela renovação automática das concessões. Já organizações de representação das indústrias (muitas delas grandes consumidoras), como a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), vêm investindo em campanhas e abaixo-assinados com objetivos de pressionar o governo federal a respeitar a legislação vigente e iniciar processos de novas licitações.

A lei que regulamenta as concessões do setor elétrico é a 10.848/2004, em seu artigo 4º, parágrafos 2º e 9º, determina a impossibilidade de uma terceira prorrogação das concessões (as atuais concessões que vencerão nos próximos anos já foram renovadas por um período médio de 20 anos em 1995 – de acordo com a lei vigente neste momento: 9.074/1995). Com isso, segundo o próprio estudo elaborado pela Consultoria Legislativa do Senado Federal, realizado em 2010, com o objetivo de analisar a matéria tanto sob a ótica constitucional quanto sob as regras fixadas pelas normas legais, a única maneira de realizar a renovação das concessões seria através de uma alteração na lei vigente.

Segundo o Ministro Edson Lobão, já está em poder da presidente Dilma, um relatório produzido pelo MME a respeito das vantagens e desvantagens das renovações e das novas licitações, assim como a proposta de modificação da lei atual, que deverá seguir em breve para o Congresso.

Alguns aspectos chamam a atenção neste processo:
1 – Tímida cobertura da mídia sobre o tema: até a entrada da Fiesp na “briga”, os principais jornais brasileiros se limitaram a apenas dar pequenas notas assinalando o interesse do governo na renovação das concessões. A partir da campanha paga da Fiesp nos jornais de São Paulo e da grande visibilidade de seu presidente, entrevistas foram concedidas, mas elas traziam apenas a opinião da federação. Não foram feitos debates públicos mais amplos, nem apuração das informações.

2 – Baixo interesse da sociedade sobre o tema: mesmo com a agressiva campanha de comunicação da Fiesp, pouco mais de 230 mil assinaturas virtuais tinham sido colhidas até o fim de setembro – dois meses depois de seu lançamento. A exceção de carta aberta ao Ministro Lobão, elaborada pelo Fórum de Entidades de Defesa dos Consumidores de São Paulo, onde as instituições cobram a modicidade tarifária como o princípio básico para a tomada de decisão a respeito do tema, não se tem visto a mobilização de instituições da sociedade civil ou do setor empresarial.

3 – Processo decisório realizado dentro dos gabinetes do ministro e da presidente, sem a abertura de um processo de participação da sociedade: Mais uma vez um processo que vai impactar quase 100% (quase uma vez que temos 10 milhões de brasileiros sem acesso a energia no país) da população brasileira é definido sem uma consulta popular ampla. Já está claro que o executivo não o fará, nem mesmo dará a sociedade elementos inteligíveis para os não-engenheiros e os não-economistas compreenderem os impactos de cada uma das possíveis decisões. Resta saber se o Congresso Nacional o fará.

4 – Os dois lados usam o mesmo argumento para defender seus pontos de vista: modicidade tarifária: Existe um aspecto muito interessante neste processo da renovação das concessões e de grande apelo popular que é o do preço da energia. O Brasil, por razões inexplicáveis (ou explicáveis, mas pouco convincentes) tem a quarta energia mais cara do mundo. Vivemos um cenário no qual as empresas eletro intensivas já vem deixando o país e a conta de luz pesa no bolso do consumidor mais pobre, mesmo com os subsídios criados. O MME não vem divulgando o conteúdo de seus estudos que comprovam a opção pela renovação, mas afirmam que estará garantido que o princípio que regerá os novos contratos será a redução do custo da energia. É muito difícil poder analisar esta informação já que as condições que serão impostas pelo governo para as empresas não foram divulgadas.

Quem se mobiliza a favor de novas licitações afirma, com algum sentido, que esta seria a única maneira transparente de garantir que os menores preços serão praticados. Algum sentido, e não total sentido, porque não se pode garantir que novas licitações envolveriam novos concorrentes e se as mesmas empresas que hoje detém as concessões ganhariam as licitações com os mesmos preços praticados hoje.

5 – A excessiva tributação do setor não está em questionamento: A carga tributária de toda a cadeia do setor elétrico chega, em alguns casos, a 45% do valor da tarifa. Quer modicidade tarifária? Talvez não seja só o problema do término das concessões que deveria entrar em pauta.

6 – Amortizações dos investimentos: O principal argumento do governo para sustentar a renovação das concessões é que, segundo a Aneel, parte do investimento nos ativos das empresas ainda não foi totalmente amortizado. Seria extremamente complexo criar um fundo de ressarcimento destes investimentos além de identificar quem pagaria a conta. Seguramente que custos da construção de represas e dos diversos quilômetros de linhas de transição não se pagam do dia para a noite. Mas a maioria destes investimentos foi realizada há mais de 50 anos. Não é tempo suficiente? A lei 10.848/2004 inclusive prevê um prazo de 35 anos para o retorno destes investimentos – prazo de duração das concessões.

7 - Qual o estado dos ativos? Só as atuais concessionárias sabem. Por mais que a Aneel monitore os relatórios enviados pelas empresas, apenas elas podem saber o estado de manutenção das turbinas de uma represa ou dos transformadores de uma rua qualquer, em uma cidade qualquer. Assim, no caso de novas licitações, por mais detalhado que sejam os editais, seguramente o acesso a este nível de informação é limitado o que gera uma vantagem comparativa gigantesca para as atuais concessionárias e pode desestimular a entrada de concorrentes.

8 – Pouco investimento, ingerência e baixa eficiência dos investimentos existentes em inovação tecnológica para o setor. Sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento de alternativas energéticas renováveis: De acordo com a lei 10.848/2004, 1% do Receita Operacional Líquida (ROL) das empresas elétricas deve ser investido em inovações tecnológicas. Parte deste recurso é aplicada em projetos da Aneel e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao MME. O restante é administrado pelas próprias empresas do setor e serve para financiar suas áreas de Pesquisa e Desenvolvimento.
Primeiramente, pode-se afirmar que a inovação em setores intensivos em tecnologia, como vem se configurando o futuro do setor elétrico, consome um volume de recursos maior que o habitual em outras áreas. Isto corrobora para determinar que o montante que hoje é destinado ao desenvolvimento das inovações no setor elétrico brasileiro é insuficiente para elevar a condição do país ao nível dos países desenvolvidos, assim como para atender ao crescimento da demanda interna.

É importante ressaltar que deste 1%, pouco é realmente empregado em projetos que estão orientados a resultados de real impacto. Pela falta de interesse das empresas e por pouca cobrança e estímulo dos reguladores estes valiosos recursos são mal utilizados em projetos sem qualquer resultado relevante.

Se os recursos são poucos e mesmo esse pouco é mal empregado, o que se pode esperar do impacto dos investimentos no desenvolvimento de inovações que promovam alternativas energéticas renováveis à ultrapassada matriz elétrica brasileira, baseada em hidráulica de grande porte e que começa a sujar-se de carbono com o crescimento das termelétricas?

9 – Estímulos à eficiência energética. Ainda é muito tímida a atuação do governo brasileiro e das empresas do setor em estimular a adoção de práticas mais eficientes no uso da energia no país. Também é alarmante a falta de políticas de desenvolvimento de inovações. Atividades que já poderiam ter sido reguladas e implementadas no país como os medidores inteligentes, a tarifação inteligente (a valor da tarifa varia de acordo com o horário de consumo), as redes inteligentes (Smart Grid), o estímulo a geração descentralizada e sua interligação com o sistema, não o são porque empecilhos burocráticos são colocados a serviço dos interesses de quem não deseja ver estas inovações implementas em grande escala no país. A renovação ou as novas licitações representam uma grande oportunidade de estabelecer metas para as empresas do setor avançarem no sentido das inovações. Mas a preocupação com o tema não parece estar presente.

10 – Qualidade da prestação do serviço: Para concluir, como diz na propaganda daquele grande varejista, “preço é fundamental”. Mas na verdade, não dá para abrir mão da qualidade da prestação do serviço. Interrupções de fornecimento, oscilações na rede, problemas de cobrança, ineficiência de atendimento e muitas outras queixas de baixa qualidade do serviço abarrotam os Procons de todo Brasil contra as concessionárias de energia. Este tema será levado em conta na decisão da renovação das concessões ou novas licitações? Se houvesse mais transparência por parte dos tomadores de decisão talvez nós tivéssemos a resposta.
Paulo Guilherme Rocha, Gerente do Programa de Energias Renováveis e Matriz Energética da Fundação AVINA. (EnergiaHoje)


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