As atuais condições de licenciamento ambiental no setor energético brasileiro complicam a expansão hidrelétrica, facilitando a instalação de termelétricas mais poluentes. A definição aparece em telegrama enviado da embaixada dos Estados Unidos no Brasil, de 16 de maio de 2008 e descoberto pela agência de jornalismo investigativo Wikileaks. O documento, enviado a Washington e outras embaixadas na América Latina, traz uma série de informações sobre o setor elétrico que incluem ainda críticas ao modelo de expansão e comentários sobre o ministro de Minas e Energia brasileiro, Edison Lobão.
Em trecho intitulado de 'Desafios', a carta abre exatamente com a relação entre o crescimento econômico e o meio ambiente. “O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman [então liderando a agência reguladora], contou que um dos maiores desafios do setor energético brasileiro é crescer a produção de forma eficiente e amigável ambientalmente. Já o presidente da Apine (Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica), Luiz Fernando Vianna [ainda no cargo], apontou que o atual sistema torna a construção de hidrelétricas muito desafiadora, enquanto faz com que as termelétricas, mais poluentes e não-renováveis, sejam muito mais fácil de construir”.
O documento destaca ainda que o Banco Mundial acabara de completar um estudo na época onde tratou dessas complicações no licenciamento das obras no Brasil, fazendo recomendações com a intenção de facilitar a operação das empresas elétricas no País.
O caso da usina de Belo Monte (11.233MW), por exemplo, ilustra bem a dificuldade que alguns empreendimentos têm tido com o processo de licenciamento. O intervalo entre a licença ambiental prévia e a autorização para o início das obras foi de um ano e quatro meses (entre fevereiro de 2010 e junho de 2011), e demandou uma equipe do Ibama dedicada exclusivamente à hidrelétrica. Ainda hoje, o projeto é alvo de questionamentos e protestos, mas o consórcio responsável mantém o cronograma que estabelece a conclusão de todo o complexo em janeiro de 2019.
Fontes renováveis - O telegrama critica também o fato de outras fontes renováveis, além da hidráulica, não terem muita relevância no sistema nacional, apesar da indicação de uma nova postura da Eletrobras para expandir a geração em outras frentes. Cerca de um ano antes do primeiro leilão exclusivo de energia eólica promovido no País, a embaixada alertou para a falta de foco em outras formas de energia limpa.
“Pela avaliação da velocidade e frequência dos ventos, a energia eólica é inexplorada em áreas de grande potencial, especialmente em áreas do Nordeste que não têm suprimento de água suficiente para usinas hidrelétricas. O crescimento nesta área se mantém difícil por várias razões, como a alta tarifa de importação dos equipamentos de geração eólica. O resultado é que o Brasil tem uma das menores taxas de capacidade eólica instalada, e as taxas de crescimento no segmento estão defasadas em relação a outros países.”
Distorção do sistema - O telegrama, a partir de conversa com o presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Paulo Pedrosa [hoje presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres - Abrace], também fala do sistema brasileiro de leilões de energia. Segundo o texto, a busca por tarifas cada vez menores diminuiria a oferta e acabaria distorcendo o modelo.
“A Abraceel acredita que o papel do governo no processo de concessões levou a uma distorção do sistema. O presidente da associação, Paulo Pedrosa, contou que a preocupação deste ano [2008] sobre uma possível crise energética não era relacionada a limitações de geração, mas sim a uma falta de oferta de suprimento causada pela intervenção artificial do governo no sistema de leilões que mantém os preços baixos".
Segundo o relato do telegrama, a avaliação do especialista seria de que a tática poderia resultar em "baixa oferta de energia para os próximos anos” devido ao número cada vez menor de empresas capazes de oferecer lances mais agressivos nos leilões.
Lobão - Em outro telegrama, este de 5 de maio de 2008, a embaixada dos EUA no Brasil coloca o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, como um “amigo da indústria e a favorável à privatização do setor elétrico”. Também ressalta que a “cabeça do labirinto” é um “ex-jornalista e político sem experiência particular em energia".
"Ele prometeu se cercar de experts - as nomeações confirmam isso - e a maioria dos analistas do setor estão confortáveis com a nomeção desde que a posição requer mais habilidades políticas que experiência no assunto”, aponta o texto. Ainda sobre o principal nome do MME, o documento conta que, em uma conversa com o embaixador, Lobão se colocou como "positivamente inclinado aos Estados Unidos".
Transmissão - Também nessa carta do início de maio, a embaixada se atenta aos problemas causados pelo sistema integrado do país. Com quase a totalidade do Brasil ligada numa só rede, alguns problemas podem causar apagões em diversas áreas ao mesmo tempo, como na ocasião do desligamento do segundo semestre de 2009, que teve origem na hidrelétrica de Itaipu e atingiu 18 Estados.
“As duas maiores cidades são dependentes da linha de transmissão de Itaipu. Se algo acontece com a linha, diz o consultor em energia Hector Morreno, Rio e São Paulo podem ficar no escuro. O Brasil tem um longo caminho para melhorar a transmissão”. (Jornal Energia)
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