segunda-feira, 27 de junho de 2011

Renovação das concessões: A ficha caiu

Finalmente, intensificou-se nas últimas semanas o debate sobre a renovação das concessões do setor elétrico.

As opiniões são diversas e consistentes na visão de cada um dos interessados. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) garante que, caso ocorra uma nova licitação, em vez da simples renovação, a tarifa pode cair até 80%.

Existem propostas mais ambiciosas, como reproduzir, com adaptações, a bem-sucedida iniciativa do presidente Franklin Delano Roosevelt de concentrar numa só entidade a responsabilidade de desenvolver o uso múltiplo dos recursos hídricos e de tomar medidas mitigadoras para o controle de eventos extremos - tanto as secas quanto as cheias. O exemplo seria a Tennessee Valley Authority (TVA), nos Estados Unidos.

Entretanto, esta é a oportunidade que poderemos ter para que as tarifas ao consumidor sejam menores do que aquelas atualmente praticadas, em qualquer das alternativas em análise, e que sempre sejam discutidos e modificados os tributos e encargos incidentes sobre a energia elétrica.

Ressalte-se que em nenhum momento foi ventilado o eventual problema das exigências socioambientais que possam vir a ser discutidas pelas ONGs, indigenistas e quilombolas, e até impostas pelo próprio Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) com base nas mesmas regras atualmente vigentes para as novas hidrelétricas - que praticamente não existiam a tempo de suas construções - para a renovação das concessões ou sua relicitação. Nem tampouco o que o novo Código Florestal, em discussão no Congresso Nacional, está prevendo como exigências que poderão ser estendidas aos lagos das hidrelétricas existentes.

Cerca de um ano atrás, ao tratar do tema, tivemos a oportunidade de lembrar que as concessões teriam de ser escrutinadas caso a caso, para definir os direitos das empresas concessionárias ainda remanescentes sobre cada concessão individualmente, considerando que, ao longo do prazo de concessão, dezenas de planos econômico-financeiros impactaram sobre os custos e regras de apropriação dos investimentos realizados na concessão foram impostas às empresas - inflação, correção monetária, Plano Collor, Plano Verão, Unidade Real de Valor (URV), mudança de moedas, etc. Além disso, existem demandas legais em muitas delas ainda sem terem tramitado em julgado.

Prosseguindo na tese da renovação das concessões, caso o governo imponha um número inadequado para o valor das tarifas, poderemos ter a inanição das empresas, com a necessária demissão de empregados, a diminuição de investimentos em manutenção e a eliminação de investimentos em expansão - consequentemente, piora nos serviços ao consumidor, com certeza.

A imposição de uma tarifa única, como acena o governo, não parece ser um caminho seguro, posto que cada usina tem características próprias e as despesas para sua operação e manutenção são diversas, ainda que prevaleça a tese de que estão totalmente amortizadas, o que não deve ser verdade, pelo ponto acima explicitado.

Pela razão apontada em relação à aferição dos investimentos feitos em cada concessão, a reversão também implicaria ressarcimento das empresas dos valores ainda não amortizados, ou o aumento do prazo de concessão até sua plena amortização, sempre caso a caso.

Supondo que a alternativa de tarifas impostas de forma "flat" seja trilhada, os governos estariam correndo o risco de ter de assegurar a continuidade das geradoras estatais que viessem a perder, em alguns casos, as suas usinas, porque não haveria nem a geração de energia nem caixa para suportar sua existência, o pagamento a fornecedores, os planos de saúde e previdenciários de milhares de funcionários e as dívidas legais em processos ainda na Justiça.

Caso o governo viesse a deixar as suas empresas ao deus-dará, elas seriam verdadeiros elefantes brancos, com compromissos e sem dotações do Tesouro Nacional para honrá-los. Fato que não seria novidade no Brasil, pois temos o exemplo do que ocorreu no setor ferroviário quando da privatização das ferrovias. O problema e os seus efeitos destruíram famílias nesse caso.

Abstendo-nos do problema das empresas e não querendo ser pessimistas, mas avaliando a imposição de uma tarifa muito baixa, poderemos ter um incremento da demanda por causa dos preços finais que venham a aumentar de maneira irracional o consumo, ampliando o desperdício.

Com essa pressão descontrolada, podemos vir a repetir erros do passado em relação ao suprimento. O que é pior nessa visão é que, não sendo reestruturada a cadeia de tributos e encargos, a arrecadação do governo sobre a energia elétrica poderá até aumentar, e ao consumidor ficará a falsa impressão de que estaria havendo a tão alardeada modicidade tarifária.

O fato é que o prazo para fazer um trabalho sério se esgotou. Não será surpresa que nos próximos dias comecem a haver manifestações dos funcionários das empresas atingidas pela espada da reversão em todo o País, na defesa de seus interesses. Esse grupamento, na verdade, se constitui em outro interessado em que haja uma decisão num curto espaço de tempo, porque muito teria a perder no caso da reversão.

Provavelmente, uma medida provisória - a essa altura já redigida - será enviada ao Congresso Nacional para que seja aprovada a qualquer custo, sem a correta avaliação dos seus efeitos, considerando a ampla maioria e o desconhecimento do problema por aqueles que vão aprová-la.

A alternativa de relicitação esbarra na realidade espelhada na decorrência de mais de três anos de discussões inócuas e na falta de vontade política para enfrentar o problema com competência. E, o que é pior, os fatos estão a desenhar um quadro em que a atitude de empurrar com a barriga durará até não haver prazo hábil para uma decisão consequente, e assim impõe-se um novo casuísmo.

E falando em efeitos, se houver a renovação das concessões do setor elétrico, por qualquer que seja o prazo, todas as demais concessões dos diversos setores de infraestrutura existentes no País poderão - e deverão - ter o mesmo tratamento isonômico, de acordo com a jurisprudência e a nossa Constituição. Autor: Adriano Pires e Abel Hotz (O Estado de S. Paulo)

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