Passados 53 dias do novo governo, é cedo para críticas do tipo "estelionato eleitoral" e outras do mesmo calibre ensaiadas por uma parte da oposição. Deve preocupar a presidente Dilma Roussef, no entanto, se o governo começa a dar errado justamente na área em que ela é especialista e na qual fez a fama de boa gestora. Dois apagões, em menos de uma semana, servem desde já de alerta a presidente. Mas há outros motivos de tensão à vista no setor de minas e energia.
As empresas da área petrolífera, por exemplo, já começam a duvidar da capacidade do governo de cumprir o cronograma de execução de dois dos principais eventos previstos para este ano. O primeiro é a realização da 11ª rodada de licitações de áreas de petróleo e gás, a última sob o regime de concessão, prevista para este semestre; o segundo, a licitação dos primeiros blocos do pré-sal, no próximo semestre, segundo anúncio do ministro Edison Lobão (Minas e Energia), quando tomou posse do cargo.
Quando Dilma Rousseff era ministra, Lobão resolvia com ela as principais medidas preparatórias, e quando o assunto chegava à mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva faltava só finalizar o processo, quase sempre o agendamento da data da reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), necessária à autorização para a ANP promover as rodadas de licitação.
É improvável que Lobão tenha a mesma autonomia. O problema de ter uma presidente especialista nesta área é a tendência inevitável à centralização maior do processo decisório quando o assunto em questão for energia. Dilma seguramente vai querer analisar detidamente a pauta da reunião do CNPE, esmiuçar as minutas de contrato, enfim, sabe em todos os detalhes as condições em que ocorrerá o leilão. É do seu jeito de trabalhar.
A centralização, dependendo do ponto de vista, tanto pode ser um bem quanto um mal. As empresas do ramo, até agora, não faziam maiores reparados à gestão Lula-Dilma-Lobão. Mas já temem que a inclinação centralizadora da presidente possa ser um mal para o setor. O desafio para Dilma é compatibilizar a atenção a ser necessariamente dispensada a uma agenda variada e complexa de governo com a que deve dar a um setor no qual, especialmente sob seu comando, são inadmissíveis apagões. Reais e de gestão.
A agenda de Dilma presidente é maior que a de Dilma ministra ou até mesmo da Dilma candidata. No momento, o empenho da presidente é para aprovar o salário mínimo no Senado, algo indispensável para o esforço fiscal para ajustar as contas do governo e - junto com outras medidas - matar no nascedouro inflação insinuante. Dilma mantém atenção também sobre o PMDB, cuja unanimidade na votação do salário mínimo, na Câmara dos Deputados, de maneira alguma deve ser entendida como um juramento de eterna fidelidade. Quem vota sim 77 vezes está dizendo que também pode votar também 77 vezes não.
A realização da 11ª rodada significa também dinheiro no caixa do governo - as empresas pagam pelo direito de explorar os blocos. Um dinheiro que o governo precisa no atual momento de sufoco fiscal. Ao tomar posse pela segunda vez no Ministério de Minas e Energia, Lobão disse estar "absolutamente convencido" de que o governo deveria fazer, este ano, a rodada 11 de licitação sob o regime de concessão e a primeira do pré-sal sob o regime de partilha".
"A 11ª rodada sob o modelo de concessão nós faremos com segurança, e a primeira rodada do modelo de partilha espero que se possa fazer também este ano", disse o ministro. Pode ser, mas os prazos estão ficando curtos. A 11ª rodada, como se disse, depende de uma conversa detalhada do ministro Lobão com a presidente da República para acertar a convocação do CNPE. Tudo resolvido, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) cuida dos trâmites para última concessão.
A situação do pré-sal, segundo a presidente o "passaporte" do Brasil para o futuro, é bem diferente. Não basta uma decisão administrativa. Desde dezembro está acertado que as licitações dos blocos de petróleo ficariam suspensas até que fosse aprovado o projeto de lei com as novas regras de distribuição dos royalties entre Estados e municípios.
O projeto está na Câmara. Pelo que se viu nas votações dos projetos que regulamentam a exploração da camada pré-sal, ano passado, é plausível a avaliação de entidades ligadas ao setor, segundo a qual dificilmente o Congresso chegará a algum tipo de acordo antes de meados do próximo semestre. Atualmente, são 24 Estados e o Distrito Federal contra Rio de Janeiro e Espírito Santo, que armaram trincheira para manter o sistema atual de distribuição de royalties.
Tanto o governador Sérgio Cabral (RJ) como o governador Renato Casagrande (ES) já sabem que não têm condições de sustentar essa posição até o final e fazem uma política de redução de danos. O mais provável, ao fim da história, é que Rio de Janeiro e Espírito Santo tenham de dividir o muito para que os outros 25 tenham um pouco para repartir entre todos. De qualquer forma, é um acordo difícil e demorado para ser tecido.
Além disso, há a pauta rotineira do Congresso, que pode ser tangenciada na medida da popularidade de Dilma (quanto mais forte a presidente, mas fácil fazer andar os projetos de interesse do governo). Na Câmara já foram apresentados 433 projetos de lei, desde a reabertura do Congresso, e três emendas constitucionais, sem falar nos outros tipos de proposição. Um registro: com 53 dias de governo, nenhuma medida provisória assinada por Dilma tramita no legislativo, sem dúvida um ineditismo pelo menos nos últimos 16 anos.
Apresentado pelos antigo e atual governo como panaceia para os males do país, o atraso na exploração da camada pré-sal significa um duro golpe na confiança do eleitor num governo no qual está indelevelmente marcada. O eleitor não perdoou o apagão no governo tucano e certamente será ainda menos tolerante com um eventual apagão na presidência de uma especialista na matéria. Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras (Valor Econômico)
Leia também: