segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Maurício Tolmasquim: Há energia de sobra até 2014

Dois anos antes do racionamento de energia de 2001, o então professor Maurício Tolmasquim foi um dos autores do documento enviado ao governo Fernando Henrique Cardoso que alertava para a baixa dos reservatórios das hidrelétricas e previa o colapso do abastecimento. O estudo chamou a atenção do então candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva, que o convidou para elaborar seu programa de energia. Hoje, presidente da estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Tolmasquim diz que o País aprendeu a lição (leia a entrevista abaixo), mudou e vive hoje modelo de segurança copiado no mundo. E mais: há energia de sobra até 2014.

O que o racionamento de energia ensinou ao consumidor, ao mercado e ao governo?
O racionamento que o Brasil sofreu em 2001 foi o maior da sua história em termos de impacto. Justamente naquele momento, o País estava retomando o crescimento. E foi abortado esse crescimento. Geradoras e distribuidoras tiveram perdas e, é claro, os consumidores foram prejudicados, super insatisfeitos, tendo o consumo restringido. A indústria também foi prejudicada, porque não podia crescer. Para mim, o racionamento não foi a única, mas uma das razões para o candidato à sucessão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ter perdido a eleição.

Mas o governo apontou que a falta de chuvas que levou à queda dos reservatórios era a causa...
Aquele foi um ano mais seco, mas apenas a questão hidrológica, climática não seria suficiente para explicar o problema. Não houve investimento na expansão da capacidade de geração e transmissão.

Faltou água nos reservatórios porque não havia investimento em hidrelétricas, mas havia um plano de emergência que previa a construção de 49 usinas térmicas. As térmicas do programa não saíram do papel. Além disso, havia naquela época um problema de falta de gás.

Hoje, o sistema tem segurança? O que mudou?
O nosso modelo é seguro. O marco regulatório do setor é copiado em todo o mundo. A então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, pediu que eu coordenasse o grupo técnico de reestruturação do setor. Seguimos duas linhas. Naquela época, as estatais estavam sendo preparadas para ser privatizadas, proibidas de investir. O capital privado não achava o ambiente estável e não tinha confiança no ambiente regulatório para investir. O que fizemos? Tiramos as estatais do programa de desestatização, permitimos que retomassem o investimento e traçamos marco regulatório que reduziu riscos do capital privado.

Quais foram as medidas?
Uma delas foi a mudança do modelo de licitação. No caso da hidrelétrica, a concessão era ao operador que fornecesse o maior ágio pelo uso do bem público. Havia ágio de 3.000%. Criamos o leilão reverso. Vencia quem dava o maior deságio, ou seja, o maior desconto para construir aquela usina. O vencedor do leilão passou a ter contrato de 30 anos (hidrelétrica) e de 15 a 20 anos (térmicas), o que deu mais estabilidade. Outra coisa foi que a gente passou a exigir licença ambiental prévia.

Uma velha crítica era a de que não havia planejamento para o setor?
A gente faz o planejamento. Temos um plano para 30 anos, e o decenal, atualizado a cada ano. A gente lançou o 2019 e vamos lançar este ano o 2020: tem todas as linhas de transmissão e usinas que precisam ser construídas.

E a energia limpa?
Tivemos três leilões de energia eólica bem sucedidos. Criamos mecanismos estimulantes para isso: temos estação coletora. O sistema agora leva à rede básica e facilitou a conexão dos parques eólicos. Agora, temos a eólica para complementar a hidráulica a um preço competitivo em relação à térmica. Poderemos despachar a eólica para preservar os reservatórios de água. É como “estocar vento”.

O Brasil tem previsão de crescimento e se prepara para sediar grandes eventos mundiais. Há risco para o abastecimento?
Não. Hoje, temos contratada e garantida, já em construção e operação, energia que permite que o Brasil possa crescer 7% ao ano até 2014. Não é nossa projeção, porque temos cenário de 5% ao ano. Então temos sobra de 5 mil mW. Além disso, o que a gente já contratou representa 70% da necessidade dos próximos 10 anos.

Então, não há risco de novo racionamento?
Não existe essa hipótese. O modelo é de segurança.

Há térmicas suficientes?
Sim. Além disso, a eólica do Brasil tem uma vantagem: os ventos sopram mais forte no Nordeste quando os reservatórios estão mais baixos. É uma complementação. A gente contratou a bioeletricidade, com o bagaço da cana. A safra da cana se dá de maio a novembro, que também é período de seca no Sudeste.

O País aprendeu a lição?
Sem dúvida. Hoje, temos um marco copiado em outros países que atraiu o capital privado e permitiu que a estatal investisse. Houve uma mudança de comportamento. Quem mudou para equipamento mais eficiente não volta ao anterior. Mas o racionamento não foi bom por isso. Não. Foi uma tragédia. Milhares perderam empregos e negócios. Uma tragédia que temos de evitar no futuro.

O que o senhor diria ao consumidor brasileiro?
Temos situação de segurança. Racionamento é coisa do passado. Ficou para trás. A energia deixou de ser um gargalo para o crescimento. (O Dia Online)

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