quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Editorial: Causas da lentidão

Ao longo de dois mandatos, tornou-se comum ouvir queixas do presidente Lula a respeito da lentidão da máquina pública e do excesso de burocracia e de normas que a emperra. Ainda que haja muita verdade nessa constatação, ela não justifica os recorrentes desafios do petista, retóricos ou factuais, à legislação vigente e aos órgãos de fiscalização do Estado, como o Tribunal de Contas da União.

Tampouco desculpa -era esse o verdadeiro intento do queixume- os erros, as hesitações e a lentidão de seu governo na execução de investimentos e projetos. Um novo exemplo de ineficácia administrativa, oriunda não das profundezas da burocracia "ibérica" do Estado brasileiro, mas de falhas de gestão da hoje candidata Dilma Rousseff, foi revelado pela Folha no domingo.

Alertada pelo TCU no início de 2003 sobre deficiências na lei que instituía uma "tarifa social" na conta de luz, a então ministra de Minas e Energia tardou em reconhecer e corrigir o erro, o que de fato só veio a ser feito anos depois de sua transferência daquela pasta para o comando da Casa Civil.

Criado no governo Fernando Henrique Cardoso, o benefício oferecia um abatimento na conta de energia dos domicílios que consumissem até 80 kWh por mês. Ao pretender subsidiar o acesso da população de baixa renda à rede elétrica, o programa falhava na seleção do público-alvo. Pelas regras originais, imóveis ociosos, como casas de praia, tinham acesso ao desconto.

O tribunal de contas afirma que metade dos recursos despendidos com a "tarifa social" no período em que Dilma esteve à frente do ministério -R$ 989 milhões de um total de R$ 1,978 bilhão- pode ter sido desperdiçada dessa forma. Por outro lado, residências de pessoas pobres foram preteridas pelo programa -muitas consomem acima do limite estabelecido, devido ao alto número de moradores sob o mesmo teto.

Os avisos se sucederam, endereçados à ministra -hoje exaltada na propaganda partidária por sua suposta capacidade gerencial. Já em 2003 os integrantes do TCU pediam que a responsável pela pasta contratasse estudo que indicasse novo cálculo para a tarifa, mais adequado a seus objetivos. Em 2005, novas recomendações. Dois meses depois da saída de Dilma da pasta, naquele mesmo ano, o novo titular criou um grupo de trabalho sobre o tema.

O estudo requisitado em 2003 só se materializou em janeiro de 2006. Em 2008, um projeto de lei afinal propôs novo critério para a tarifa, que agregava ao baixo consumo a comprovação de renda do beneficiado. O presidente sancionou a regra em janeiro deste ano.

Dilma Rousseff afirma ter trabalhado para mudar a forma de concessão do benefício e alega dificuldades na criação de um sistema para identificar corretamente as famílias pobres. Lula e a candidata por ele inventada, de toda forma, não podem pretender ter agido com eficácia neste episódio -nem responsabilizar normas e fiscalizações pelo atraso. (Folha de S. Paulo)
Leia também: