O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve uma condenação de R$ 1,6 bilhão contra a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), em um processo judicial que envolve a construção da Usina Hidrelétrica do Xingó, localizada entre os Estados de Alagoas e Sergipe.
A disputa teve início nos anos 90 com uma ação proposta pela Chesf contra as empresas formadoras do consórcio que venceu a licitação para a construção da usina - Mendes Junior, Constran e a Companhia Brasileira de Projetos e Obras (CBPO), controlada pela Odebrecht desde 1980. No processo, contesta índice adotado para reajuste dos valores previstos no contrato. A Chesf perdeu o processo em primeira instância e também no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). No STJ, os ministros da 2ª Turma decidiram manter a decisão do TJPE, o que permite a continuidade de uma execução provisória já em curso em primeira instância. Ainda é possível recorrer do valor da condenação, na ação de execução.
O edital da licitação, que ocorreu entre 1985 e 1987, adotava um índice de reajuste de preços calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). A divergência começou quando as construtoras, três meses após o fim da licitação, reivindicaram uma mudança na forma de atualização dos valores, em razão da alta inflação do período. A Chesf e as construtoras realizaram, na época, um aditamento do contrato, estabelecendo uma nova forma de reajuste dos preços, conhecida como "fator k". Em meados dos anos 90, a Chesf, verificou que a nova atualização aumentava significativamente o custo da obra. Por esse motivo, a companhia ajuizou uma ação anulatória do aditamento do contrato e passou a pagar os reajustes de preço ao consórcio com base no índice inicial calculado pela FGV.
Mas acabou perdendo a batalha nas primeiras instâncias. A empresa de economia mista, subsidiária da Eletrobras, foi condenada a pagar a diferença entre os dois índices de reajuste, montante que hoje chega a R$ 1,6 bilhão, conforme arbitrado na execução já em curso. A companhia recorreu ao STJ, que começou a julgar o caso em junho e definiu nesta semana a questão.
A Corte analisou inicialmente, a pedido da União, uma questão preliminar do recurso: a possibilidade de migração da ação da Justiça Estadual para a Justiça Federal, o que acarretaria na nulidade das decisões tomadas pelas instâncias inferiores e, consequentemente, da condenação da Chesf. Em primeira instância, a União atuou na ação como assistente da Chesf. A Lei nº 9.469, de 1997, estabelece que quando há intervenção federal em um processo, a competência deve ser deslocada para a Justiça Federal. O problema é que na época em que a União recorreu, no início dos anos 90, a lei não havia entrado em vigor ainda. No entanto, a União pleiteia que a lei seja aplicada ao caso. Apenas o ministro Herman Benjamin defendeu que a questão deveria migrar para a Justiça Federal, por considerar que durante o trâmite do processo sobreveio a Lei 9.469.
No mérito da ação, a Chesf também foi derrotada por três votos a um, ficando novamente vencido o ministro Herman Benjamin. A maioria dos ministros não acatou os argumentos da Chesf de que o aditivo feito no contrato seria nulo e teria violado o edital da licitação.
De acordo com um dos advogados da União que atuou no processo, Jamil Cardoso Sousa, a Advocacia-Geral da União (AGU) vai se reunir com a Chesf para definir a estratégia a ser seguida no Judiciário. "Possivelmente iremos recorrer", diz. De acordo com ele, o STJ levou em consideração que houve demora da União para solicitar que a causa fosse transferida para a Justiça Federal.
O STJ julgou também um recurso da Chesf questionando o valor dos honorários advocatícios. Eles haviam sido arbitrados em 10% do valor da causa, que no TJPE foi definido em R$ 700 milhões. Em valores atualizados, os honorários seriam de aproximadamente R$ 400 milhões. O STJ, no entanto, baixou para 0,5% do valor da causa, valor que representa em torno de R$ 10 milhões.
Desde o início do impasse, as construtoras passaram por grandes mudanças. A Constran, parte do império de 40 empresas de Olacyr de Moraes, o ex-rei da soja, é atualmente a única empresa que restou do conglomerado. Já a Mendes Júnior, que chegou a ser uma das maiores construtoras do país, vive um processo de recuperação impulsionado pela vitória de seu consórcio no leilão da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
Procuradas pelo Valor, as construtoras e o escritório Pinheiro Neto, que defende o consórcio, preferiram não se manifestar. (Valor Econômico)