sexta-feira, 23 de julho de 2010

Futuro presidente terá setor de energia forte, mas caro

O próximo presidente da República receberá de seu antecessor uma controversa herança na área de energia elétrica. Organizado e com forte marco regulatório, o setor tem tarifas caras devido a encargos e impostos que afastam e dificultam investimentos.

Durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mais de uma dezena de usinas hidrelétricas foram a leilão, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), incluindo Santo Antonio, Jirau e Belo Monte, na Amazônia. Elas garantirão grande oferta de energia, mas tiveram dificuldades em questões ambientais.

Somado a isso, o aumento das usinas termelétricas e os novos leilões de fontes alternativas fazem com que especialistas ouvidos pela Reuters descartem a necessidade de racionamento de energia no Brasil nos próximos anos. Mas, de acordo com a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), entre 2003 e 2009 até agosto o preço médio do megawatt-hora (MWh) industrial subiu 72 por cento, para 227 reais. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), enquanto isso, acumulou alta de 46 por cento nesse intervalo.

"Estamos herdando uma tarifa elevada. As usinas estão mais caras e ainda temos encargos e impostos", observou o diretor técnico-regulatório da Abrace, Luciano Pacheco. Para ele, o futuro presidente da República terá que enfrentar a questão de preços já no início do seu mandato. "Há um sério risco de desinvestimentos no setor", alertou.

Na avaliação do presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy, "conseguimos tarifas de geração competitivas, mas é preciso avaliar o cunho fiscal para o consumidor final". A questão de impostos nas tarifas passa pela reforma tributária, já que grande parte dos encargos de energia para o consumidor vem do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), estadual.

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, concorda que a tarifa é prejudicial. "Mas o preço não vem do modelo, é extra-setorial", rebateu o presidente da EPE, que é vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

RENOVAÇÃO DAS CONCESSÕES
Outro assunto urgente é a renovação das concessões no setor elétrico, lembra o professor Rodrigo Moita, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Em 2015, cerca de 20 por cento da capacidade de geração no Brasil, 58 por cento da distribuição e 82 da transmissão terão concessões encerradas. As alternativas, na opinião de especialistas, são mudar a legislação para prorrogar os contratos ou realizar novos leilões.

"A renovação das concessões será um grande problema, é difícil saber se vai renovar ou refazer", disse o professor do Insper. Ele acredita que seja mais prática a renovação. "Além disso, se houver nova licitação, a atual empresa tem mais chance de ganhar. Por isso, é mais provável que o próximo governo deixe com o atual dono", opinou.

O vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e presidente do Conselho Temático de Infraestrutura da entidade, José Mascarenhas, menciona um terceiro ponto a ser enfrentado: a demora na concessão de licenças ambientais.

"Isso faz com que o uso das termelétricas aumente. O atraso na concessão de licenças ambientais é um problema ambiental e social. O povo parece não saber que quando se usa energia térmica, o preço a ser pago é maior", disse.

OFERTA SUFICIENTE
Segundo a Aneel, o Brasil possui 109.787 megawatts (MW) de potência, quase 70 por cento por hidrelétricas. A capacidade atual é 36,7 por cento maior que a de 2002. Nesse mesmo período, a economia brasileira acumulou crescimento de cerca de 31 por cento. "O novo presidente vai receber um setor com marco regulatório aceito por todos os agentes, que tem se mostrado eficiente para o crescimento do setor", destacou Tolmasquim.

De acordo com ele, uma herança positiva será o fato de que dos 63.480 MW que se estima serem necessários para os próximos 10 anos para suprir o aumento da demanda por energia no país, 66 por cento já foram contratados. "Nos próximos quatro anos haverá um excedente de 5.800 MW. Isso significa que se energia fosse a única condição, o Brasil poderia crescer 7,5 por cento ao ano até 2014", afirmou o presidente da EPE.

Mascarenhas, da CNI, também destacou a definição pelo atual governo de "um novo marco regulatório que tem funcionado", após o apagão no país em 2001 e 2002. "Não deve acontecer um apagão porque existe um sistema alternativo de termelétricas." Para o professor Moita, do Insper, as usinas térmicas são uma garantia de que não faltará energia. "Se tivéssemos apenas hidrelétricas, o parque energético teria que ser gigante, com muitas usinas", observou.

De acordo com a Aneel, as termelétricas somam 27.571 MW, ou cerca de 25 por cento de toda a matriz brasileira. Elas são acionadas apenas quando os reservatórios nas hidrelétricas estão em níveis baixos. (Reuters / Brasil Online)