Não é só no petróleo do pré-sal que o conflito federativo existe e o Estado do Rio de Janeiro sai perdendo na partilha de taxas e impostos.
Não chega aos R$ 7,3 bilhões da perda dos royalties de petróleo, mas também na energia elétrica o Rio transfere para outros Estados R$ 510 milhões/ano de receita originária de taxas federais cobradas nas contas de luz dos consumidores fluminenses, que poderiam ser aplicados no combate a fraudes em favelas e áreas de risco do Estado.
A fraude conhecida como "gato" se estende pelos 27 Estados da Federação, mas o Rio de Janeiro sozinho concentra 26% do problema.
Quando foi diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman advertiu governadores do Rio de Janeiro não para brigar pela permanência dos recursos no Estado, mas porque a inoperância da polícia local nessas áreas de risco impedia o trabalho de fiscais da agência e de funcionários das distribuidoras que abastecem o Estado - Light e Ampla -, obrigando a Aneel a incorporar o custo do "gato" no cálculo da tarifa de energia elétrica cobrada pelas empresas. Além de onerar a tarifa, isso cria uma situação injusta, em que o consumidor honesto - rico ou pobre - paga pelo calote do desonesto.
Há três meses na presidência da Light, uma das primeiras ações de Kelman foi mapear o problema que agora trazia uma novidade: enfim o governo fluminense decidiu enfrentar traficantes e milicianos com o programa Unidades da Polícia Pacificadora (UPPs), que busca libertar favelas e áreas de risco do domínio de traficantes e milicianos.
Na primeira favela pacificada, o Morro Dona Marta, a Light investiu R$ 4 milhões para desfazer o emaranhado de fios elétricos a céu aberto e ao alcance de crianças, instalar a nova rede em cada residência, fornecer geladeiras econômicas e educar a população para economizar energia e aceitar a ideia de pagar pelo serviço. O custo médio do investimento por habitação chegou a R$ 2.700.
Concentrado em três taxas federais (Conta de Consumo de Combustíveis, Conta de Desenvolvimento Energético e Reserva Global de Reversão), que abrangem 60% dos encargos tributários pagos pelo consumidor fluminense, o levantamento da Light calculou em R$ 510 milhões/ano o que os habitantes do Rio transferem para outros Estados (em São Paulo a cifra é decerto maior).
Essa transferência de renda tem justificativa social, porque o dinheiro é aplicado em três programas focados em regiões pobres do Norte e Nordeste: universalização da energia elétrica (Luz para Todos), custo de usinas térmicas a óleo diesel na Região Norte e subsídio a consumidores de baixa renda.
Estados como Rio de Janeiro e São Paulo não são beneficiados por esses programas porque já têm energia universalizada e o consumidor, mesmo o mais pobre, consome mais do que 80 kW - limite para o subsídio da população de baixa renda.
Só que, agora, com a expansão das UPPs em outras favelas, empresas que abastecem as comunidades com água, luz e telefone precisam também levar suas redes de distribuição. Sem esses serviços não há sensação de cidadania entre os habitantes.
Estima-se em 580 mil moradias e em 1,3 milhão as pessoas que vivem em áreas de risco no Rio de Janeiro. Com base nos gastos feitos no Morro Dona Marta, a Light calcula em R$ 1,5 bilhão os investimentos para atender a todas as áreas conflagradas do Estado, só em energia elétrica.
É certo que investimento para eliminar "gatos" se reverte em faturamento que a Light antes perdia e passa a adicionar à sua receita. Mas o retorno financeiro vai demorar muito para compensar os investimentos, argumenta a empresa. Por isso a primeira ação foi mapear o problema e tentar identificar fontes de financiamento público.
A segunda será questionar juridicamente se a lei permite devolver ao Rio de Janeiro parte da receita de R$ 510 milhões que hoje transfere para outros Estados. E, se a lei não o permitir, tentar mudá-la no Congresso, garantindo sua aplicação específica no programa de combate ao "gato" e pacificação das favelas fluminenses.
Sem dúvida, é mais um conflito federativo a ser enfrentado. Autor: Suely Caldas (O Estado de S. Paulo)
Não chega aos R$ 7,3 bilhões da perda dos royalties de petróleo, mas também na energia elétrica o Rio transfere para outros Estados R$ 510 milhões/ano de receita originária de taxas federais cobradas nas contas de luz dos consumidores fluminenses, que poderiam ser aplicados no combate a fraudes em favelas e áreas de risco do Estado.
A fraude conhecida como "gato" se estende pelos 27 Estados da Federação, mas o Rio de Janeiro sozinho concentra 26% do problema.
Quando foi diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman advertiu governadores do Rio de Janeiro não para brigar pela permanência dos recursos no Estado, mas porque a inoperância da polícia local nessas áreas de risco impedia o trabalho de fiscais da agência e de funcionários das distribuidoras que abastecem o Estado - Light e Ampla -, obrigando a Aneel a incorporar o custo do "gato" no cálculo da tarifa de energia elétrica cobrada pelas empresas. Além de onerar a tarifa, isso cria uma situação injusta, em que o consumidor honesto - rico ou pobre - paga pelo calote do desonesto.
Há três meses na presidência da Light, uma das primeiras ações de Kelman foi mapear o problema que agora trazia uma novidade: enfim o governo fluminense decidiu enfrentar traficantes e milicianos com o programa Unidades da Polícia Pacificadora (UPPs), que busca libertar favelas e áreas de risco do domínio de traficantes e milicianos.
Na primeira favela pacificada, o Morro Dona Marta, a Light investiu R$ 4 milhões para desfazer o emaranhado de fios elétricos a céu aberto e ao alcance de crianças, instalar a nova rede em cada residência, fornecer geladeiras econômicas e educar a população para economizar energia e aceitar a ideia de pagar pelo serviço. O custo médio do investimento por habitação chegou a R$ 2.700.
Concentrado em três taxas federais (Conta de Consumo de Combustíveis, Conta de Desenvolvimento Energético e Reserva Global de Reversão), que abrangem 60% dos encargos tributários pagos pelo consumidor fluminense, o levantamento da Light calculou em R$ 510 milhões/ano o que os habitantes do Rio transferem para outros Estados (em São Paulo a cifra é decerto maior).
Essa transferência de renda tem justificativa social, porque o dinheiro é aplicado em três programas focados em regiões pobres do Norte e Nordeste: universalização da energia elétrica (Luz para Todos), custo de usinas térmicas a óleo diesel na Região Norte e subsídio a consumidores de baixa renda.
Estados como Rio de Janeiro e São Paulo não são beneficiados por esses programas porque já têm energia universalizada e o consumidor, mesmo o mais pobre, consome mais do que 80 kW - limite para o subsídio da população de baixa renda.
Só que, agora, com a expansão das UPPs em outras favelas, empresas que abastecem as comunidades com água, luz e telefone precisam também levar suas redes de distribuição. Sem esses serviços não há sensação de cidadania entre os habitantes.
Estima-se em 580 mil moradias e em 1,3 milhão as pessoas que vivem em áreas de risco no Rio de Janeiro. Com base nos gastos feitos no Morro Dona Marta, a Light calcula em R$ 1,5 bilhão os investimentos para atender a todas as áreas conflagradas do Estado, só em energia elétrica.
É certo que investimento para eliminar "gatos" se reverte em faturamento que a Light antes perdia e passa a adicionar à sua receita. Mas o retorno financeiro vai demorar muito para compensar os investimentos, argumenta a empresa. Por isso a primeira ação foi mapear o problema e tentar identificar fontes de financiamento público.
A segunda será questionar juridicamente se a lei permite devolver ao Rio de Janeiro parte da receita de R$ 510 milhões que hoje transfere para outros Estados. E, se a lei não o permitir, tentar mudá-la no Congresso, garantindo sua aplicação específica no programa de combate ao "gato" e pacificação das favelas fluminenses.
Sem dúvida, é mais um conflito federativo a ser enfrentado. Autor: Suely Caldas (O Estado de S. Paulo)