A imprensa tem veiculado muitas matérias sobre a qualidade do serviço de energia elétrica e a maioria delas dá a entender que há uma deterioração nesse item. Adicione-se a isso a grande cobertura dada a alguns casos específicos e se acaba construindo uma falsa percepção de que o fornecimento de energia vai de mal a pior.
A verdade, no entanto, é que o fornecimento de energia melhorou muito. Os dois indicadores regulatórios de continuidade - a duração média das interrupções (DEC) e a frequência de interrupções no fornecimento (FEC) - apontam que em 15 anos a duração média das interrupções no Brasil foi reduzida em 29% e a frequência das interrupções, em 49%.
A boa prestação do serviço também se confirma quando se compara a qualidade no fornecimento de energia com outros serviços públicos: segundo pesquisa realizada pela CNI/Ibope, o fornecimento de energia é o mais bem avaliado.
Percepções equivocadas foram agravadas recentemente com a divulgação do "ranking de qualidade" da agência reguladora - Aneel. Apesar das supostas boas intenções da agência de "aumentar a transparência" e de incentivar "a melhoria contínua da qualidade do serviço", a divulgação do índice mais confundiu do que explicou. A confusão surge do fato de seu ranking ser construído com base no desempenho de cada concessionária em relação à sua meta. Como as metas estabelecidas pela agência variam muito entre as concessionárias, o ranking acaba tendo pouca aderência ao nível absoluto de continuidade de serviço de cada concessionária. Trata-se de um ranking de desempenho relativo à meta regulatória e não de um ranking de qualidade.
É fato que, nos últimos três anos, apesar da contínua melhora da FEC, houve uma deterioração da DEC nacional. No entanto, ao se analisar a questão da continuidade é importante lembrar que a origem das falhas pode ser diversa. Embora a face visível para o consumidor seja a distribuidora, o fornecimento de energia também depende dos geradores e das transmissoras. Para que o consumidor possa desfrutar de energia elétrica a qualquer momento do dia ou da noite é necessário que todos esses agentes desempenhem suas funções de forma coordenada e acertada. Se um dos elos falhar, a operação de todo o sistema pode ser colocada em xeque.
Os maiores incidentes nos últimos anos surgiram de falhas na transmissão. Em novembro de 2009, uma falha nas instalações de Furnas resultou num apagão que atingiu 18 Estados. Outro grande incidente ocorreu em fevereiro de 2011, quando uma falha nas instalações da Chesf atingiu oito Estados do Nordeste. Ambas as empresas foram multadas pela Aneel.
Outro fator que explica parte da variação dos índices de qualidade é a universalização do fornecimento de energia elétrica. A inclusão desses consumidores localizados em áreas distantes, de difícil acesso, geralmente por meio de linhas monofásicas (de menor custo e mais propensas a falhas), tende a piorar os índices de continuidade. Não obstante, a universalização com padrões mais simples de instalações é uma política pública coerente, pois, para quem não tinha acesso à energia elétrica, interrupções ocasionais são um mal menor.
Portanto, o debate sobre a qualidade requer a compreensão da realidade e das peculiaridades do setor elétrico. Ações balizadas em falsas percepções inevitavelmente resultarão em más políticas públicas. Também é de suma importância contrapor o anseio por maior qualidade com o objetivo de modicidade tarifária. Qualidade tem um custo e é preciso avaliar qual é o ponto de equilíbrio desejado pela sociedade.
O desafio da regulação tarifária consiste em "acertar na dose" ao definir o nível de qualidade para cada distribuidora e em estabelecer regras que induzam as 63 distribuidoras de eletricidade nacionais a atingir e até superar suas metas. Autor: Claudio J. D. Sales (O Estado de S. Paulo)
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