terça-feira, 9 de março de 2010

Venda do excedente de energia no mercado livre vai mudar o mercado

A venda do excedente de energia no mercado livre vai mudar o cenário de comercialização de eletricidade no segmento industrial. Esta é a impressão dos grandes consumidores, otimistas depois de o Ministério de Minas e Energia abrir para consulta e receber sugestões sobre a portaria que regulamenta a cessão.

A determinação, que era um antigo pleito do setor, permitirá que o cliente venda no próprio mercado livre as possíveis sobras de energia que teria direito de consumir de acordo com o contrato estabelecido. Assim, se uma companhia tem um acordo de fornecimento até 2020, por exemplo, mas passa por uma crise de demanda num trimestre de 2011, poderá negociar livremente com outra indústria essa carga que não utilizará neste período.

Para o presidente da Carbocloro, Mário Cilento, "a medida permite uma série de desdobramentos favoráveis para os consumidores livres". Nesse sentido, o executivo destaca a liberdade que terá o mercado. "Se alguém precisa do seu excedente, não tem por que não vendê-lo. Você tem energia sobrando porque seu mercado diminuiu, e então é bastante razoável você poder alcançar algum consumidor que esteja precisando", completa. A empresa, fabricante da linha de cloro-soda utilizada na produção de detergente, sabão, remédios e plásticos, consome 1.200GWh por ano.

Cilento considera ainda a segurança que a medida traz ao empreendedor. Como gestor de uma empresa, vê os riscos de longo prazo diminuírem com a possibilidade de vender livremente as eventuais sobras. "Alguém assina um contrato, cinco anos atrás, mas dez anos depois pode enfrentar uma crise. Agora, podendo comercializar a energia que tem direito, se sente mais tranquilo para fechar os longos contratos", avalia.

O diretor de Operações da Suzano, fabricante de papel e celulose, Ernesto Pousada, acredita que a venda dos excedentes abrirá um leque de oportunidades na gestão da fábrica: "Nos moverá a um planejamento estratégico muito mais alinhado à realidade de nossos negócios".

O executivo ressalta, porém, que o fato de os contratos terem de ser registrados antes do consumo (mais informação no box, ao lado), pode dificultar a companhia. "Para quem trabalha com co-geração, como é nosso caso, essa regra torna difícil, por exemplo, a negociação de energia excedente gerada em paradas não-programadas em nossas unidades industriais", critica.

A única restrição da portaria do MME é quanto ao montante de energia a ser comercializada. De acordo com o ministério, de maneira proporcional, quanto mais longo for o contrato, maior o percentual de energia que pode ser comercializado, indo de 10%, para acertos com duração de até dois anos, a 100%, para contratos de uma década.

Por esse motivo, o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Ricardo Lima, vê a iniciativa com bons olhos, mas ainda carente de uma maior flexibilidade. "Eles [o Ministério] talvez achem que a indústria vai fazer disso um negócio. Mas esta não é a intenção dos consumidores", acredita Lima. Mesmo assim, segundo Lima, uma pesquisa da Abrace no final de 2008 mostrou que 86% da energia dos associados da entidade é de contratos acima de 5 anos, o que aponta que a tendência no consumo livre já é de acordos duradouros. O especialista cita dois exemplos onde a venda do excedente será fundamental para os clientes. "Tenho um associado que tem contrato de cinco anos, onde 40% do custo da fábrica é em energia, e o valor do contrato é o dobro do patrimônio líquido da empresa; permitir a venda assegura que ele pode assumir o risco de cobrir as demandas futuras.

Outro caso é a possibilidade de, se quebrar uma máquina da planta, poder passar a produção para outra, transferindo também a energia", resume.

Já o presidente da Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia (Abraceel), Paulo Pedrosa, valoriza a portaria no sentido de não restringir esse mercado. "Visitamos a Europa e nos ficou claro que lá o princípio de comercialização é que não há nada que você compre que não possa vender", afirma, lembrando ainda que o insumo é um contrato congelado numa linha de produção. "Se você resolve fechar sua produção de automóveis, você pode vender as máquinas, as peças, a sucata, o terreno, os equipamentos. Só não negociar toda a energia que você tinha contratado para os próximos anos", explica, defendendo o livre-comércio.

Ainda sobre a limitação dos contratos, ambas as associações dizem que a cautela do MME - na medida que restringe a cessão para acordos de curto prazo - pode ter caráter preventivo em relação à criação de um cenário especulativo. Abrace e Abraceel, porém, descartam tal ambiente, visto que os consumidores livres terão mais segurança para firmar contratos e calcular o risco da demanda dos próximos anos, mas em nenhum momento têm interesse de lucrar com revenda de eletricidade. "Se quisessem virar comercializadoras, abririam uma subsidiária. Por isso é nítido que não faz parte do portfólio dessas companhias", conclui Pedrosa.

Publicada na semana passada, a Portaria n. 73 permanece em consulta pública até a sexta-feira, 12. Por ser um antigo pleito dos consumidores, tem recebido muitas manifestações dos agentes do segmento, segundo relato da assessoria de imprensa do Ministério de Minas e Energia.(DCI)