terça-feira, 22 de maio de 2012

Artigo: As concessões das elétricas

Nos próximos dias o governo deve enviar uma medida provisória ou um projeto de lei com urgência constitucional para o Congresso Nacional visando equacionar um velho problema: o que fazer quando terminarem as atuais concessões das empresas de energia elétrica?

O Artigo 175 da Constituição Federal dá as diretrizes gerais sobre o tema. Já as leis nºs 8.987 e 9.074 prorrogaram por 20 anos, na prática, em 1995, parte das concessões vincendas à época. Em 2015 esse prazo expirará. A indústria associada à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) já se posicionou favorável à licitação das concessões em campanha na televisão. As concessionárias atuais já se posicionaram pela prorrogação, com pareceres dos melhores juristas disponíveis no mercado. Várias circunstâncias sugerem que a alternativa escolhida pelo governo será prorrogar as atuais concessões por um novo período de tempo.

Entretanto, um tema pouco discutido sobre o problema concessões é como será o acesso dos consumidores à energia mais barata das usinas já depreciadas.

Decisão tem que ser rápida para não criar incertezas e desestimular os investimentos no setor

Há dois mercados bem distintos de energia elétrica no Brasil. O mercado cativo, chamado Ambiente de Contratação Regulado (ACR), onde o consumidor é obrigado a comprar energia das distribuidoras; e o mercado livre, chamado Ambiente de Contratação Livre (ACL), onde os consumidores podem escolher o seu fornecedor, tal qual no sistema de telefonia. O segundo só está acessível atualmente para consumidores maiores que 3.000 KW, lembrando que entre 500 KW e 3.000 KW há um mercado especial que só pode comprar energia de fontes incentivadas - recebendo desconto de 50% na rede, custo pago por todos os consumidores.

A Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) não tem posição sobre renovar ou licitar as concessões, até porque os comercializadores não possuem ativos, mas defende um conjunto de princípios para a questão do acesso dos consumidores a energia das usinas depreciadas, com base nos seguintes argumentos:

1) A solução para a questão deve preservar e promover a isonomia entre o mercado livre e o mercado cativo no acesso à energia;

2) O tratamento das concessões de geração que vencem em 2015 deve estar alinhado com o que será dado aos contratos firmados entre as diversas geradoras e concessionárias de distribuição, que vencerão em 2012, 2013 e 2014, lembrando que a decisão deve estar coerente com as demais concessões que vencerão nos anos seguintes;

3) A segurança jurídica é fundamental no processo para evitar futuros questionamentos de direitos entre o conjunto de consumidores, a União e as empresas concessionárias e seus acionistas, sejam eles privados ou não;

4) A decisão sobre renovação deve ser rápida para não criar nova fonte de incertezas e desestimular os investimentos no setor;

5) O benefício da amortização das instalações de geração e transmissão, quando for o caso, deverá ser alocado no próprio setor elétrico;

6) O mercado livre e o mercado cativo são igualmente importantes para o país e merecedores dos benefícios advindos da renovação das concessões. O conjunto de consumidores, ao longo de muitos anos, pagou pela depreciação de tais ativos e, pelas regras anteriores (estabelecimento das tarifas com base nos custos), as prorrogações levariam naturalmente à modicidade para o conjunto de consumidores. Essa premissa deve ser preservada. Os consumidores ao se tornarem livres não alteraram esta lógica, até mesmo porque o conceito de modicidade de tarifas e preços está colocado no mesmo nível de prioridade na legislação (Lei nº 10.848/04 e Decreto nº 5.163/04);

7) A melhor maneira de definir o preço da energia é sua oferta de forma competitiva e ampla ao mercado;

8) A forma de captura do benefício não deve perturbar a informação sobre o preço da energia. Preços artificialmente comprimidos distorcem as informações de produção e consumo e comprometem o ambiente em que são tomadas decisões de investimento. Preços que reflitam os custos justos de produção produzem incentivos econômicos ao uso racional da energia e a alocação eficiente dos recursos de geração;

9) O valor do benefício econômico apurado (diferença entre o preço de mercado da energia e o valor a ser recebido pelo concessionário) deve ser dirigido ao abatimento de custos que são assumidos igualmente pelos consumidores cativos e livres. Tal tratamento asseguraria a promoção da modicidade de preços e tarifas, bem como a isonomia entre os dois ambientes de contratação de energia;

10) A energia das usinas depreciadas poderiam ser colocada no mercado por meio de leilões conjuntos do mercado cativo e do livre. Isso poderia ser realizado por meio de rounds sucessivos. Caso existam demanda frustrada do mercado cativo e oferta remanescente, aconteceriam rounds sucessivos nos dois mercados. O propósito da proposta de leilões sugeridos pela Abraceel é não alterar a competição dos leilões de energia existente, manter o mercado livre como um contraponto comercial ao cativo, além de dar isonomia na distribuição do benefício das prorrogações de concessões entre todos os consumidores, sem criar um novo fundo setorial.

Finalmente, ressaltamos que a Abraceel estudou profundamente, com a consultora Andrade & Canellas, o tema da isonomia na alocação da energia entre os dois mercados, por meio de leilões, e entende que esta é a melhor maneira de definir o preço da energia de forma competitiva e ampla ao mercado. Nos próximos dias, a Abraceel procurará o governo e o órgão regulador para apresentar detalhadamente a sua proposta por entender que é seu papel institucional levar soluções e não problemas aos que têm o poder de decisão. Reginaldo Medeiros é presidente da Abraceel. (Valor Econômico)
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