quarta-feira, 14 de maio de 2014

BNDES já pensa em flexibilização na exigência de conteúdo local para solar

Entidades do governo parecem finalmente concordar em abrir espaço no planejamento energético para a energia solar. Depois do presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, sinalizar a possibilidade de um leilão exclusivo para essa fonte, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se organiza para flexibilizar a exigência de conteúdo local para fabricantes de equipamentos fotovoltaicos que se cadastrarem no Finame - linha de financiamento para compra de máquinas e equipamentos do banco.

O mesmo mecanismo já foi adotado no passado para incentivar as eólicas. Hoje a regra é de financiar equipamentos via Finame que tenham pelo menos 60% de conteúdo local.

Foi a primeira vez que a EPE falou em um leilão único para solar. Tolmasquim afirmou, terça-feira, que a fonte deve ser contemplada no próximo leilão de energia de reserva, em estudo para ser realizado no segundo semestre. Na ocasião, ele disse ainda que a EPE prevê a contratação de 3,5 mil megawatts (MW) de capacidade instalada de projetos solares em leilões de energia de 2014 a 2018. A previsão de demanda é uma antecipação do que deve vir no próximo Plano Decenal de Energia (PDE) 2023, a ser divulgado este ano. O próximo passo, então, seria garantir financiamento.

"Falei com o presidente do BNDES [Luciano Coutinho]. Estamos combinando uma reunião sobre as condições de financiamento para este leilão", afirmou Tolmasquim, na ocasião. A indicação de leilão exclusivo para solar significaria que a fonte não vai concorrer com outras de custo mais baixo. Uma fonte que acompanhou diversas discussões governamentais sobre o assunto disse que o BNDES e o ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Internacional (Mdic) já eram a favor da flexibilização da exigência de conteúdo local para os fabricantes de equipamentos fotovoltaicos, mas não tinham apoio do Ministério de Minas e Energia (MME).

Para o especialista em energia solar da consultoria PSR, Rafael Kelman, é viável começar com uma flexibilização de conteúdo local para 20%, que seria garantido por transformadores, sistemas de controle e supervisão, cabos e estruturas metálicas. Os demais 80% poderiam ser importados. Isso vai dar pontapé inicial para essa indústria, de acordo com Kelman.

"Sempre houve recurso disponível para financiar usinas solares, mas o fabricante não podia acessar o financiamento pela exigência de conteúdo nacional", explicou Kelman. O BNDES tem condições especiais para financiar o desenvolvimento de usinas solares desde 2011, pelo Fundo Clima para energias renováveis, que tem taxas bastante competitivas. Mas pela ausência de fabricantes nacionais de módulos e por existir só um produtor de inversores no país, a WEG, a linha do BNDES ainda não tem nenhum projeto solar em carteira.

Kelman afirma que um leilão exclusivo de solar daria um choque de demanda, e incentivaria fabricantes a se instalarem no país. O BNDES cadastraria essas empresas no Finame, e o aumento gradativo da exigência de conteúdo local garantiria a obrigatoriedade de produção no país. Foi assim que aconteceu com a eólica, que cinco anos depois da primeira concorrência já atingiu índices de nacionalização superiores a 60%.

Para um executivo do BNDES que preferiu não se identificar, a organização de um leilão exclusivo de solar seria muito positivo para organização da cadeia de fornecedores.

Segundo interlocutores, BNDES e Mdic já apoiavam o incentivo a solar há algum tempo. Faltava, entretanto, apoio dentro do MME. O ministério era muito centrado na figura do secretário Planejamento e Desenvolvimento Energético, Altino Ventura, conhecido por sua defesa às hidrelétricas com barragens. "Quando o assunto era solar, ele defendia a modicidade tarifária e dizia que o Brasil possuía outras fontes renováveis competitivas", disse uma fonte que acompanhou algumas discussões.

O próprio Tolmasquim se dizia contrário à realização de um leilão único de solar até pouco tempo. A postura da cúpula energética de Dilma era esperar que os preços da fonte caíssem pelo menos a um patamar 70% a 80% mais caro que as demais fontes. Hoje o custo daenergia fotovoltaica está duas vezes mais cara que outras fontes.

A mesma postura foi adotada com a energia eólica, que só teve um leilão exclusivo da fonte em 2009, quando seu custo era 70% superior às demais fontes.

Na opinião de especialistas, a mudança no discurso foi motivada, em partes, porque o governo precisa muito de boas notícias em meio a diversas críticas sobre a forma como tem conduzido o setor elétrico. As diversas interferências regulatórias oneraram as empresas de distribuição e geração, que somadas à baixa afluência de chuvas, colocaram em risco o fornecimento energético.

Há fortes indicações de que, não melhorando o nível dos reservatórios, o país passará por novo racionamento ou racionalização do uso da energia - a exemplo do ocorrido em 2001. O governo nega de forma categórica.

Outra questão que influencia no discurso de apoio à solar é que seu principal opositor, Ventura, está perdendo força no MME, e perto de se aposentar. Cresce, por outro lado, integrantes do ministério que apoiam a fonte. Ainda do ponto de vista conjuntural, na visão de especialistas, a solar é uma ótima opção, pois tem condições de entrar em operação em menos de um ano. (Valor Econômico)
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