sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Incertezas nas distribuidoras da Eletrobras

A solução de venda das seis distribuidoras deficitárias do grupo Eletrobras não se encerrará na escolha de uma das alternativas do plano de reestruturação do Santander apresentado ao conselho de administração da estatal no início desta semana. Fontes do setor, ouvidas pelo Valor, avaliam que pode haver passivos financeiros até agora não considerados pelo grupo estatal que podem oferecer risco às empresas que se habilitarem a fechar a compra das subsidiárias de distribuição.

O chamado "passivo oculto" seria os percalços deixados pela engenharia financeira criada no passado pelo governo para garantir a federalização de distribuidoras que não despertaram interesse do setor privado na década de 1990. A avaliação é de que este ônus poderia cair no colo dos novos sócios.

Naquela época, a Eletrobras zerou o saldo da Reserva Global de Reversão (RGR) para assumir o controle das distribuidoras. A operação até hoje gera dúvidas sobre a contabilização de dívidas residuais. A transação envolveu aporte de recebíveis do financiamento da usina de Itaipu em mais de R$ 8 bilhões para que os recursos do fundo fossem usados pela estatal.

Fontes oficiais admitem o risco de haver uma conta remanescente, mas que tal valor seria assumido pela holding e não pelos futuros compradores das empresas. Esta seria uma blindagem aos novos sócios. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tem investigado a dívida da estatal decorrente da transação realizada com a União que levou à federalização das distribuidoras (Amazonas Energia, Boa Vista Energia, Ceal, Cepisa, Ceron e Eletroacre). No início do mês, o Valor revelou o teor do relatório de fiscalização que expôs as divergências da Eletrobras e o órgão regulador sobre o tema.

Além do risco de novos passivos surgirem, a outra incerteza do negócio que envolve a garantia de renovação dos contratos em 2015. Minoritários da Eletrobras sustentam que o Programa Nacional de Desestatização (PND) estabeleceu a renovação automática dos contratos de concessão que vencem a partir de 2015. Esta condição especial às distribuidoras do grupo, segundo minoritário, teria sido criada para garantir que o processo de federalização conduzisse à privatização das empresas.

A posição oficial da Aneel, no entanto, não é esta. O órgão regulador considera que, para renovar a concessão, as distribuidoras da Eletrobras deverão seguir os trâmites normais. Isso inclui, necessariamente, o atendimento de índices de qualidade, o que deixa essas distribuidoras vulneráveis diante dos déficits operacionais registrados atualmente. A lei que permitiu a prorrogação dos contratos de geração e transmissão no ano passado também prevê a renovação da concessão das distribuidoras por 30 anos. Avalia-se que poderá haver uma flexibilização da agência, que daria a renovação mediante a entrega de um plano para restituir a qualidade dos serviços.

O estudo do Santander prevê diferentes alternativas de venda das distribuidoras. Em todas elas, a estatal assumirá participação minoritária prevendo ainda um aporte extra de capital. Em comunicado divulgado ontem ao mercado, a Eletrobras informou que estes estudos encontram-se em fase preliminar de "levantamento de informações, formatação de dados e análise de todas as alternativas possíveis". A eliminação do risco de haver surpresas indesejadas aos novos sócios pode estar nas "normas regulatórias que ainda não foram editadas" para garantir a venda das distribuidoras, conforme que informou a companhia.

A advogada do Instituto de Eletrônica e Energia (IEE) da USP, Maria D´Assunção, considera que todos os riscos deverão ser apresentados durante a negociação de venda. "A apresentação da modelagem tem de ser feita pelo banco com a maior transparência possível. Só assim os investidores terão condições de avaliarem riscos e oportunidades da venda destes ativos", disse. Ela avalia que a Eletrobras será questionada pelas empresas interessas na compra das distribuidoras. "A dimensão real do passivo de cada uma das empresas deve ser integralmente explicitada", disse a especialista que atua na Assunção Consultoria. (Valor Econômico)
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