terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Distribuição de energia estrangulada

A atitude precipitada do governo, em 2012, com o objetivo de antecipar uma simpática redução da tarifa de eletricidade tem sido progressivamente desmontada por leis físicas e econômicas que não aceitam artificialidades impostas por canetadas de políticos. O leilão de 17 de dezembro para contratação de energia proveniente de várias usinas para atender ao mercado das distribuidoras de eletricidade (o chamado Leilão A-1, jargão que se refere a leilões que precisam ser feitos com antecedência de um ano em relação à data da entrega de energia às distribuidoras) não interrompeu o drama financeiro em que o governo colocou as concessionárias.

A Medida Provisória nº 579/2012, editada em 11 de setembro de 2012 e depois convertida na Lei nº 12.783/2013, tem feito por merecer o apelido de “September 11 do setor elétrico”, em triste referência à tragédia das torres gêmeas de 2001. Dez anos após o episódio americano, a implementação truculenta da MP — que antecipou o vencimento de concessões de geração e transmissão de eletricidade —, impôs reduções tarifárias e grande perda de valor às empresas do setor elétrico. Apesar do desastre para as empresas geradoras e transmissoras, aparentemente estava tudo ótimo para o consumidor de energia, que ficou feliz em ouvir a presidente da República anunciar que teríamos uma conta de luz 20% mais barata. Mas apenas parte da história foi contada...

A impropriedade da medida provisória ficou evidente quando, contando com adesão total das usinas à MP nº 579, o governo cancelou o Leilão A-1 de 2012, que comercializaria a energia de contratos vincendos em 2012. Esse cancelamento foi desastroso para as distribuidoras, que têm nos leilões regulados pelo governo a única forma de atendimento a seus consumidores. Como a adesão não foi integral, as distribuidoras ficaram involuntariamente expostas e tiveram que comprar energia no mercado de curto prazo a preços elevados, devido aos baixos níveis dos reservatórios hidrelétricos.

O mesmo fenômeno acaba de se repetir em 2013. Permanecerá a chamada “exposição involuntária” das distribuidoras, que precisarão pagar por uma energia mais cara para suprir seus consumidores ao longo de 2014 e receberão os valores de volta de forma defasada e em 12 parcelas. 

As estimativas de mercado apontavam para uma demanda das distribuidoras de 6 mil MW médios, que deveria ter sido atendida no Leilão A-1, de 17 de dezembro, mas foram contratados apenas 2,5 mil MW médios a um preço médio ponderado de R$ 177/MWh. Isso significa que os 3,5 mil MW médios não contratados precisarão ser obtidos no mercado de curto prazo pelas distribuidoras, cujo preço atual é da ordem de R$ 300/MWh. O sobrecusto dessa descontratação é estimado entre R$ 4 bilhões e R$ 5 bilhões, valor que será arcado de forma defasada pelos consumidores.

Se o governo tivesse conduzido a renovação de concessões de forma menos politizada e mais articulada, não teria exposto as distribuidoras e os consumidores a esses custos adicionais que serão pagos a partir de 2014, em pleno ano eleitoral. Se a renovação tivesse sido menos eleitoreira, o Tesouro Nacional não precisaria estar improvisando mil e uma formas para cobrir o descasamento entre receitas e custos das distribuidoras, descasamento que já ultrapassou os R$ 7 bilhões em 2013.

As 63 distribuidoras de eletricidade precisam investir bilhões todos os anos, têm na tarifa sua única fonte de receita e não podem seguir com um cenário de imprevisibilidade de custos que não são gerenciáveis por tais concessionárias. De acordo com os contratos de concessão e com o atual modelo setorial em vigor, implementado via Lei nº 10.848, de 2004, a energia contratada deveria ser apenas um repasse com neutralidade econômica e financeira para as concessionárias de distribuição. 

No entanto, por causa dos atropelos governamentais de 2011, tais custos estão se tornando um fardo financeiro insuportável para as distribuidoras, um sobrepeso para o Tesouro Nacional e uma bomba-relógio tarifária para os consumidores. Artificialidade tem perna curta. É preciso que o governo recalibre suas lentes para a ameaça de estrangulamento que se coloca sobre a distribuição de energia elétrica e trabalhe para garantir, com urgência, mecanismos que restabeleçam o equilíbrio econômico-financeiro das concessões. CLAUDIO J. D. SALES e EDUARDO MÜLLER MONTEIRO Presidente do Instituto Acende Brasil / Diretor executivo do Instituto Acende Brasil (Correio Braziliense)