Na Folha de quarta-feira passada, o então ministro interino de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, defendeu a MP 579, que dispõe sobre a renovação das concessões do setor elétrico. Zimmermann ressalvou que a MP não quebra contratos nem descapitaliza as empresas. Disse que os investimentos não amortizados serão devidamente indenizados e que a tarifa definida visa remunerar apenas os serviços de operação e manutenção.
Na prática, a MP 579 tem consequências bem mais complexas e discutíveis. De antemão, ela acentua as distorções do nosso federalismo fiscal, uma vez que tira dos Estados R$ 5,5 bilhões em receitas do ICMS sem prever fundos compensatórios nem contrapartidas equivalentes do governo federal na redução das tarifas.
O ônus da MP recairá sobre os serviços públicos sob responsabilidade dos governos estaduais, cuja folga fiscal tende a zero. Já os dois encargos dos quais o governo abriu mão eram indevidamente cobrados, posto que já não tinham finalidade real.
Além do mais, a calibragem das tarifas e o valor da indenização de ativos são questionáveis e passíveis de judicialização. Empresas controladas pelo governo federal, como a Eletrobras, cujo prejuízo com perdas de receita e ativos não amortizados chega a R$ 29 bilhões, poderão receber aportes do Tesouro.
As empresas ligadas aos governos estaduais lamentavelmente não gozam da mesma prerrogativa. Elas terão de cobrir com receitas líquidas os prejuízos com a não amortização dos ativos. Como consequência, a MP 579 gera insegurança jurídica em vários níveis. As empresas têm de aceitar as condições impostas sem que o marco legal da MP esteja consolidado. Antes de ser apreciada pelo Congresso, a MP já recebeu 390 emendas.
Outra brecha para a judicialização vem do mercado, que afirma que a interferência do governo federal nos resultados das companhias de capital misto configura, sim, quebra de contrato. Desde o anúncio da MP, as ações das 31 empresas do setor listadas na BM&FBovespa perderam mais de R$ 30 bilhões em valor de mercado.
Dizer que a descapitalização das empresas não terá reflexos no investimento e na qualidade dos serviços é irresponsabilidade. Os recentes apagões ilustram no que dá subestimar a operação e a manutenção. Com as empresas operando com geração de caixa negativo por causa das novas tarifas, os apagões podem se tornar mais frequentes.
Em suma, o governo federal tem se utilizado de seu poder regulatório para impor ao setor e aos Estados regras draconianas e nada republicanas, afugentando investidores e descapitalizando empresas de um setor cuja saúde financeira é vital para o desenvolvimento. Como finalmente confessou o diretor-geral da Aneel, Nelson Hubner, "não é possível reduzir as tarifas de energia se alguém não perder".
Ninguém é contra reduzir as tarifas de energia. Mas a fórmula encontrada é malfeita, injusta, truculenta e, provavelmente, sem base legal. JOSÉ ANÍBAL é deputado federal licenciado (PSDB), secretário de energia de São Paulo e presidente do Fórum Nacional dos Secretários de Energia (FNSE). (Folha de S. Paulo)
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