As medidas do governo para reduzir as contas de luz deixaram o mercado livre de energia, que representa 27% do consumo total de eletricidade do país, desnorteado. Com exceção da retirada dos encargos, praticamente toda a queda de tarifas será voltada para o mercado das distribuidoras, que têm consumidores residenciais e o pequeno comércio como clientes.
A maioria das indústrias e do comércio de grande porte (shopping centers e hipermercados) opera no mercado livre, no qual escolhe seus fornecedores de energia, além de negociar diretamente os preços e fechar contratos de longo prazo.
Associações do setor elétrico já falam, em caráter reservado, na possibilidade de que a participação do mercado livre no consumo total do país caia para algo em torno de 23%. Para essas entidades, é grande a chance de que consumidores industriais se sintam atraídos pelas novas tarifas e voltem a ser clientes das distribuidoras de suas áreas de atuação. No caso dos consumidores de alta tensão do segmento que abrange empresas de alumínio e siderúrgicas, a queda prometida pelo governo é de 28%.
"Os telefones estão tocando bastante. Todo mundo está querendo entender as medidas", diz Paulo Toledo, sócio-diretor da Ecom Energia, uma das principais comercializadoras do país.
O governo assegura que não teve, como objetivo, enfraquecer o mercado livre. Para o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, a tendência é de aumento da competição com as distribuidoras. "A perspectiva é de que os preços no mercado livre também vão baixar. Só não dá para dizer o quanto isso pode demorar."
O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hubner, é mais enfático: "A minha visão é de que o preço da energia, no mercado livre, vá cair na mesma medida".
Tolmasquim observou que há "sobra" de energia, atualmente, no mercado. Isso cria um "ambiente propício" para que a queda se estenda também para os preços negociados livremente.
O requisito mínimo para entrar no mercado livre é ter uma demanda superior a 3 megawatts (MW). Se a demanda estiver entre 0,5 MW e 3 MW, a empresa pode tornar-se consumidora especial, comprando energia de fontes incentivadas, como usinas eólicas e pequenas centrais hidrelétricas. É esse pessoal que pode ficar mais propenso a voltar para o mercado cativo das distribuidoras, conforme avalia Toledo, da Ecom. "A maioria desses clientes começará a fazer as suas contas."
A maior preocupação de Toledo é com a viabilidade de novos empreendimentos - eólicas, de biomassa e PCHs - que já não conseguiam vender sua energia nos leilões do governo, mas montavam uma equação capaz de tirar o projeto do papel, negociando a eletricidade diretamente no mercado livre. Para isso, precisavam de uma tarifa em torno de R$ 135 a R$ 140 por megawatt-hora, o que os deixavam competitivos na comparação com as tarifas de distribuidoras.
Toledo garante que, apesar das margens apertadas com que trabalham, as comercializadoras de energia podem se ver forçadas a diminuir preços. A parte principal, no entanto, cabe às geradoras. "Nós, mais do que ninguém, temos interesse em não perder negócios", afirma. Para ele, os rumos do mercado livre não estão claros, após a MP publicada ontem. Mas a avaliação é de que sua atratividade "continua a mesma", até porque há outras supostas "vantagens" além do preço, como maior previsibilidade na gestão dos contratos de longo prazo. (Valor Econômico)
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