As medidas anunciadas na semana passada pelo governo federal para diminuir o custo da energia elevou os riscos de um setor em que as ações costumam ser citadas como as mais previsíveis do mercado. Com a queda de 20%, em média, do preço da energia elétrica a partir de fevereiro de 2013, empresas afetadas perdem milhões em lucros. Por consequência, o ganho com dividendos aos acionistas, principal atrativo do segmento, pode diminuir ainda mais. Analistas revisam estimativas e dizem que não é o melhor momento para começar a investir em elétricas até a rentabilidade para os próximos anos ficar mais palpável, mas ainda abrem algumas exceções e recomendam compras.
Investidores dispararam vendas das ações depois que o governo anunciou que só vai renovar a concessão das usinas que venceriam até 2017 se geradoras e transmissoras oferecerem preços menores. Já havia rumores de que os preços cairiam, mas a magnitude surpreendeu o mercado. Também surpreendeu a inclusão de usinas importantes da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) e da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), que não eram cogitadas. Isso fez com que papéis de elétricas sofressem tombos históricos e o segmento perdesse R$ 20 bilhões em valor de mercado semana passada.
— No ano de 2012, vimos diferentes medidas do governo que indicam um envolvimento mais direto na economia. Isso motivou a reação mais agressiva do mercado — diz o chileno Gabriel Salas, analista do banco americano JPMorgan.
Valor da indenização é maior preocupação
A redução nos custos de energia de residências e indústrias acontecerá porque o governo abrirá mão da receita dos encargos embutidos na conta de luz. As cobranças da Reserva Global de Reversão (RGR) e da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) serão eliminadas. Já a Conta de Desenvolvimento Energético ficará reduzida a 25% do valor atual. Esses encargos respondem por sete pontos de uma carga tributária média de 45% sobre as tarifas. Essa redução de encargos será combinada com o desconto que as concessionárias de energia aplicarão nas tarifas de energia. Para viabilizar o desconto, as concessionárias serão indenizadas em 2013, em montante estimado em R$ 15 bilhões, pelos investimentos feitos pelas empresas que ainda não foram amortizados. Ao indenizar esses investimentos em 2013, sobretudo com recursos da RGR, que tem cerca de R$ 14 bilhões em caixa, o governo quer compensar a redução das tarifas e injetar recursos nas empresas.
Essa indenização é a grande questão no radar dos investidores. Quanto mais antigo o empreendimento, menor deve ser o valor oferecido pelo governo federal. Mas o impacto para distribuidoras ainda é pouco dimensionado e algumas geradoras e transmissoras não tinham concessões com vencimento anterior a 2017 e, portanto, escapam até lá de preços menores do que os atuais.
A Companhia Paranaense de Energia (Copel), por exemplo, só teve 5% da capacidade de produção afetada, que venceria até 2017. Segundo a empresa, isso representa menos de 2% da receita operacional líquida de 2011 e as próximas concessões só vencem a partir de 2023. No segmento de transmissão, 85% das linhas terão de aceitar preços menores, mas isso representava só 3,5% da receita líquida do grupo no ano passado. Como o impacto foi menor do que para Eletrobras, Companhia Elétrica de Transmissão Paulista (Cteep), Cesp e Cemig, o analista Gabriel Laera, da BES Securities, recomenda a compra da ação preferencial (PN, sem direito a voto) da Copel e vê potencial de valorização.
Dividendo não é mais parâmetro, diz analista
Ele também sugere a compra da ação ordinária (ON, com direito a voto) da geradora AES Tietê, porque a concessão só vence em 2029 e a produção está vendida por contrato até o fim de 2015. Segundo projeções dele, a empresa deve oferecer um dividend yield (proporção do lucro distribuído em relação ao preço da ação) de 14%, um dos mais elevados do setor em 2013. Já Sérgio Tamashiro, analista do banco Safra, estima um dividend yield de 11,2% para a ação em 2013, embora só recomende a compra do papel se o objetivo for ganhar com dividendos. Isso porque, pelas suas estimativas, a ação está cara.
Eletrobras e Transmissão Paulista são as ações mais citadas pelos analistas nas recomendações de venda, porque tiveram parcela significativa da geração ou da transmissão comprometida pelo novo modelo. Segundo Tamashiro, a Transmissão Paulista deve sofrer tombo de 57% em 2013 nos lucros antes do pagamento de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda), que mede a geração de caixa. Isso porque, segundo a empresa, 80% do faturamento vêm do único contrato que vence em 2015. A companhia disse que ainda avalia os efeitos para a distribuição de dividendos.
Cesp e Cemig, que tiveram respectivamente 67% e 56% da produção afetada, têm a manutenção recomendada na carteira, para quem já tem os papéis. Mas, para quem busca risco, Tamashiro sugere a compra dos papéis preferenciais da Cesp, porque avalia que o pior cenário já foi embutido no preço. Ele cogita que a empresa pode não renovar as concessões e manter o faturamento estável até 2015 ou ter o controle vendido pelo governo de São Paulo.
— Vai ter três anos de bons dividendos caso não faça a renovação. Não é claro se é bom renovar — diz Tamashiro, do Safra.
— Nossa tendência é esperar para ver o que acontece. Em qualquer lugar do mundo, o setor elétrico é tradicionalmente bom pagador de dividendos. Imagino que o Brasil não vai reinventar a roda — diz João Paulo Reis, sócio da Venture Investimentos.
As políticas de dividendos das empresas do setor podem ser revistas numa era de lucros menores que está por vir, destaca Laera, da BES Securities.
— Não é certo que essas empresas manterão suas políticas de dividendos. Ter o dividend yield como parâmetro principal de decisão de investimento pode ser arriscado — alerta. (O Globo)
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