SÃO PAULO - A decisão do governo de construir de 4 a 6 usinas termelétricas atômicas tem menos a ver com demanda de energia elétrica do que com o objetivo estratégico de dominar o ciclo tecnológico-industrial completo do combustível nuclear. Desse ponto de vista, o complexo de três usinas em Angra dos Reis (RJ) seria insuficiente para obter a escala necessária.
É um objetivo legítimo, por mais que se discorde dele por razões ambientais. A questão é saber se existem condições de fazê-lo sem onerar indevidamente o contribuinte. Desse outro ângulo, o balão de ensaio da quebra do monopólio estatal de construção e operação das usinas, lançado de forma discreta pelo Planalto, já alçou voo meio murcho.
Os defensores da energia termonuclear afirmam que seu preço pode competir com os de outras fontes, como os de hidrelétricas, óleo combustível, gás natural, vento e biomassa (bagaço de cana). Calcula-se que ficaria em torno de R$ 140 a R$ 150 o megawatt-hora, dentro da margem do que se obtém hoje em leilões de energia.
Seus adversários dizem que esse cálculo é inconfiável. Ele pressupõe que a construção das centrais nucleares duraria cerca de cinco anos, o que nunca aconteceu no Brasil. Angra 3 começou a ser construída em 1984 e foi paralisada dois anos depois. A previsão é que opere em 2014. Esse tipo de atraso, com óbvio impacto financeiro, acaba não sendo computado no preço da energia.
Segundo os críticos, o custo de construção de instalações definitivas para deposição de rejeitos radiativos -com projeto e local ainda sem definição- também acaba fora das contas. Com tais incertezas, compreende-se por que o Planalto cogitaria a exclusão da energia termonuclear dos leilões usuais do setor elétrico.
Comprando eletricidade ao preço fixo do operador nuclear, compulsoriamente, o consumidor elimina um risco importante do empreendimento e torna a sua rentabilidade mais previsível. É uma forma de subsídio. Subsídio por subsídio, haveria mais razões estratégicas para encorpar os incentivos às fontes alternativas.
O mundo todo busca modalidades de geração que não emitam gases do efeito estufa, como os produzidos por termelétricas a óleo e gás. O consumo de combustível nuclear não gera gases-estufa, é verdade, mas o urânio existe em quantidade limitada e pode ser empregado para fins militares.
Ventos e bagaço de cana são produzidos de forma renovável e não produzem resíduos tão problemáticos. Por outro lado, não exigem obras tão caras e vistosas quanto a da central de Angra. Se Portugal, que não tem bagaço de cana, escolheu o caminho dos ventos, por que o Brasil deveria subsidiar uma fonte de energia controversa como a nuclear? É um projeto do passado, acalentado pelo governo militar. O futuro pode ser outro. (Folha de S.Paulo)