O governo finalmente parece estar caminhando para uma decisão sobre a política que será adotada para os contratos vincendos de concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. A questão é de suma importância para o país porque é por meio dos contratos de concessões - que duram décadas - que o Estado define quem, como e por quanto são prestados os serviços de suprimento de energia.
Ao contrário do que alguns representantes do próprio governo têm afirmado, a decisão sobre a renovação de concessões precisa ser rapidamente formalizada porque o setor opera com compromissos e contratos de longo prazo. Isto posto, vários concessionários precisam expressar, já em 2012, se têm interesse ou não na prorrogação. No caso de um contrato de concessão que se encerrará em julho de 2015, por exemplo, como o requerimento de prorrogação deverá ser apresentado até 36 meses antes do término do contrato, o atual concessionário tem até julho deste ano para decidir se deseja a prorrogação. A questão requer urgência, mesmo porque critérios e parâmetros essenciais para a tomada de decisão dos concessionários ainda não foram divulgados. Um desses critérios é o de cálculo do valor de reversão.
O valor de reversão se refere ao montante devido ao concessionário pelos investimentos realizados e ainda não amortizados até o final do prazo da concessão. Como o cômputo desse valor ainda não é questão inteiramente pacificada, é fundamental que a metodologia de cálculo seja definida de forma criteriosa para evitar discricionariedades e incertezas futuras. E o agente mais qualificado (do ponto de vista técnico) e neutro (do ponto de vista de pressões de grupos) para desenvolver essa metodologia é a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), agência reguladora do setor. O governo federal, controlador de várias estatais que têm muitos contratos vencendo, poderia ser acusado de atuar em causa própria e tal intrínseco conflito de interesses pode ser evitado se a definição da metodologia de valor de reversão couber à Aneel.
Além da extrema urgência necessária para a definição da política geral de renovação das concessões (que vai muito além da aparente decisão binária "licitar" versus "prorrogar") e da metodologia de cálculo para reversão, o governo precisa afastar outra grande ameaça: a falta de transparência do processo.
Rumores no mercado têm apontado para um cenário segundo o qual o governo pretende prorrogar por 30 anos os contratos de concessão que vencem a partir de 2015 por meio de projeto de lei enviado ao Congresso em regime de urgência, com texto "enxuto", deixando a definição das condições de prorrogação para regulamentação posterior via decreto presidencial.
É bom que o governo esteja finalmente tomando as rédeas da questão e também é bem-vindo o instrumento de projeto de lei - que apenas entra em vigor após sua aprovação no Congresso -, ao contrário de medida provisória - que entraria em vigor imediatamente.
No entanto, preocupa a hipótese de um projeto de lei que trataria da questão de forma genérica, delegando a regulamentação de todas as condições ao Poder Executivo por meio de decreto presidencial.
A definição da política de renovação de concessões é de enorme relevância para o país e deve ser definida de forma aberta e transparente. A opção pela regulamentação por decreto presidencial sugere que a questão continuará a ser definida sem deliberação pública e sujeita a riscos maiores de discricionariedade.
Conforme matéria publicada neste Valor, a suposta justificativa governamental para essa abordagem seria para evitar o risco de que a "tramitação no Congresso fuja de controle e a redação final ganhe contornos indesejados devido ao lobby do setor elétrico". É verdade que a tramitação no Congresso é complexa, demorada e imprevisível, mas a simples transferência da tomada de decisão para o Poder Executivo não elimina o problema. Pelo contrário. A tomada de decisão a portas fechadas nos gabinetes do governo é ainda mais sujeita a influências indesejáveis. A legitimidade da política de renovação de concessões requer que ela seja debatida publicamente.
Soma-se aos problemas da urgência e da necessidade de transparência a questão da forma de renovação escolhida pelo governo. Os mesmos rumores de mercado sugerem que a renovação seria por meio de prorrogação dos contratos para os atuais concessionários, ao invés de promover uma nova licitação.
A prorrogação de concessões pode ser uma opção adequada, particularmente para os segmentos de distribuição e transmissão, monopólios naturais que são remunerados por meio de tarifas reguladas pela Aneel e cujas condições contratuais não geram impactos competitivos sobre os demais agentes do segmento.
Na geração, no entanto, caso o governo também opte pela prorrogação das concessões, tal decisão precisa ser acompanhada de uma regulamentação que assegure a sua compatibilidade com o modelo setorial e que preserve a isonomia competitiva entre os agentes. O regime concorrencial será prejudicado se concessões de geração forem prorrogadas em condições incompatíveis com as das demais geradoras que atuam no mercado.
O White Paper nº 5 do Instituto Acende Brasil (disponível em www.acendebrasil.com.br > Estudos) disseca os aspectos que devem ser considerados para assegurar a coerência da política de concessões.
Embora os problemas associados à opção de prorrogar as concessões de geração possam ser superados com regulação apropriada, sua concepção não será fácil. E não é incabível que o próprio governo venha a reconhecer que a forma mais apropriada para renovar as concessões de geração seja a relicitação, um mecanismo aberto e transparente.
O arcabouço institucional-regulatório do setor elétrico vem sendo construído e aprimorado ao longo de décadas e a adoção de políticas incoerentes com a lógica do modelo setorial pode minar a sua robustez.
O senso de urgência, a definição de critérios robustos e a transparência na deliberação do tema são os melhores antídotos para evitar soluções desastrosas para o futuro do setor elétrico e dos consumidores de energia. Autor: Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil (Valor Econômico)
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Ao contrário do que alguns representantes do próprio governo têm afirmado, a decisão sobre a renovação de concessões precisa ser rapidamente formalizada porque o setor opera com compromissos e contratos de longo prazo. Isto posto, vários concessionários precisam expressar, já em 2012, se têm interesse ou não na prorrogação. No caso de um contrato de concessão que se encerrará em julho de 2015, por exemplo, como o requerimento de prorrogação deverá ser apresentado até 36 meses antes do término do contrato, o atual concessionário tem até julho deste ano para decidir se deseja a prorrogação. A questão requer urgência, mesmo porque critérios e parâmetros essenciais para a tomada de decisão dos concessionários ainda não foram divulgados. Um desses critérios é o de cálculo do valor de reversão.
O valor de reversão se refere ao montante devido ao concessionário pelos investimentos realizados e ainda não amortizados até o final do prazo da concessão. Como o cômputo desse valor ainda não é questão inteiramente pacificada, é fundamental que a metodologia de cálculo seja definida de forma criteriosa para evitar discricionariedades e incertezas futuras. E o agente mais qualificado (do ponto de vista técnico) e neutro (do ponto de vista de pressões de grupos) para desenvolver essa metodologia é a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), agência reguladora do setor. O governo federal, controlador de várias estatais que têm muitos contratos vencendo, poderia ser acusado de atuar em causa própria e tal intrínseco conflito de interesses pode ser evitado se a definição da metodologia de valor de reversão couber à Aneel.
Além da extrema urgência necessária para a definição da política geral de renovação das concessões (que vai muito além da aparente decisão binária "licitar" versus "prorrogar") e da metodologia de cálculo para reversão, o governo precisa afastar outra grande ameaça: a falta de transparência do processo.
Rumores no mercado têm apontado para um cenário segundo o qual o governo pretende prorrogar por 30 anos os contratos de concessão que vencem a partir de 2015 por meio de projeto de lei enviado ao Congresso em regime de urgência, com texto "enxuto", deixando a definição das condições de prorrogação para regulamentação posterior via decreto presidencial.
É bom que o governo esteja finalmente tomando as rédeas da questão e também é bem-vindo o instrumento de projeto de lei - que apenas entra em vigor após sua aprovação no Congresso -, ao contrário de medida provisória - que entraria em vigor imediatamente.
No entanto, preocupa a hipótese de um projeto de lei que trataria da questão de forma genérica, delegando a regulamentação de todas as condições ao Poder Executivo por meio de decreto presidencial.
A definição da política de renovação de concessões é de enorme relevância para o país e deve ser definida de forma aberta e transparente. A opção pela regulamentação por decreto presidencial sugere que a questão continuará a ser definida sem deliberação pública e sujeita a riscos maiores de discricionariedade.
Conforme matéria publicada neste Valor, a suposta justificativa governamental para essa abordagem seria para evitar o risco de que a "tramitação no Congresso fuja de controle e a redação final ganhe contornos indesejados devido ao lobby do setor elétrico". É verdade que a tramitação no Congresso é complexa, demorada e imprevisível, mas a simples transferência da tomada de decisão para o Poder Executivo não elimina o problema. Pelo contrário. A tomada de decisão a portas fechadas nos gabinetes do governo é ainda mais sujeita a influências indesejáveis. A legitimidade da política de renovação de concessões requer que ela seja debatida publicamente.
Soma-se aos problemas da urgência e da necessidade de transparência a questão da forma de renovação escolhida pelo governo. Os mesmos rumores de mercado sugerem que a renovação seria por meio de prorrogação dos contratos para os atuais concessionários, ao invés de promover uma nova licitação.
A prorrogação de concessões pode ser uma opção adequada, particularmente para os segmentos de distribuição e transmissão, monopólios naturais que são remunerados por meio de tarifas reguladas pela Aneel e cujas condições contratuais não geram impactos competitivos sobre os demais agentes do segmento.
Na geração, no entanto, caso o governo também opte pela prorrogação das concessões, tal decisão precisa ser acompanhada de uma regulamentação que assegure a sua compatibilidade com o modelo setorial e que preserve a isonomia competitiva entre os agentes. O regime concorrencial será prejudicado se concessões de geração forem prorrogadas em condições incompatíveis com as das demais geradoras que atuam no mercado.
O White Paper nº 5 do Instituto Acende Brasil (disponível em www.acendebrasil.com.br > Estudos) disseca os aspectos que devem ser considerados para assegurar a coerência da política de concessões.
Embora os problemas associados à opção de prorrogar as concessões de geração possam ser superados com regulação apropriada, sua concepção não será fácil. E não é incabível que o próprio governo venha a reconhecer que a forma mais apropriada para renovar as concessões de geração seja a relicitação, um mecanismo aberto e transparente.
O arcabouço institucional-regulatório do setor elétrico vem sendo construído e aprimorado ao longo de décadas e a adoção de políticas incoerentes com a lógica do modelo setorial pode minar a sua robustez.
O senso de urgência, a definição de critérios robustos e a transparência na deliberação do tema são os melhores antídotos para evitar soluções desastrosas para o futuro do setor elétrico e dos consumidores de energia. Autor: Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil (Valor Econômico)
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