sexta-feira, 19 de março de 2010

Base Reforçada

São Paulo - Equipes do Ministério de Minas Energia e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão estatal responsável pelo planejamento do setor, estão debruçadas sobre cálculos do Plano Decenal de Expansão de Energia 2009/2018. Não há data fechada para a divulgação do documento, mas espera-se que até o fim do primeiro semestre ele esteja sendo discutido em audiências públicas. O relatório, que busca traçar o planejamento da oferta e demanda do segmento em um horizonte de dez anos, está em fase preliminar de apuração, mas há indícios de que o governo deverá priorizar as energias renováveis, tanto com a construção de novas usinas hidrelétricas quanto com a liberação de usinas eólicas e de biomassa.

"A tendência é priorizar a energia renovável, por exemplo, principalmente com o avanço das usinas hidrelétricas", diz o presidente da EPE, Mauricio Tolmasquim. "Esse avanço depende da obtenção de licenças ambientais, mas estamos mais otimistas, porque vemos que paulatinamente há uma compreensão da importância de construirmos usinas hidrelétricas, até como forma de reduzir a emissão de gases de efeito estufa."

A proximidade do leilão da usina de Belo Monte, que deverá ser o terceiro maior empreendimento hidrelétrico do mundo e poderá acontecer nos próximos dois meses, enseja otimismo entre os empresários. "A decisão de viabilizar a construção de Belo Monte não somente aponta para a manutenção da matriz energética brasileira em bases renováveis como inverte a tendência de ampliar a exploração de fontes consideradas mais caras e poluentes, como térmicas supridas por óleo combustível, verificada nos últimos leilões de energia nova. Com boa análise econômica e ambiental, outros projetos podem e devem ser explorados", afirma o presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Paulo Godoy.

O governo tem enfrentado dificuldades para obter licença para a instalação de usinas hidrelétricas. Um exemplo pôde ser visto, em dezembro passado, quando o Ministério decidiu cancelar leilão para fornecimento de energia a partir de 2014, por atrasos na liberação de licenças prévias para usinas hidrelétricas. A falta ou o atraso das licenças para sete hidrelétricas, com capacidade para 905 MW, faria com que predominassem usinas térmicas a gás a serem licitadas. Nos últimos anos, diante dos obstáculos, mais de 40% da energia licitada em leilões veio de usinas térmicas a diesel, carvão e gás natural.

Inventários realizados pela EPE apontam que há ainda grande potencial hidrelétrico a ser aproveitado na região Norte. Um dos rios promissores está no Mato Grosso, o Teles Pires, onde poderiam ser erguidas cinco hidrelétricas, com capacidade somada superior a 2 mil MW. A Bacia do Tapajós, na região amazônica, é outra que desponta, com capacidade de 10 mil MW.

Calcula-se que cerca de 70% do potencial hidrelétrico está na região Norte. Mas aproveitá-lo está longe de ser uma tarefa fácil. Segundo a Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), da área do bioma Amazônia, 16% são de área desmatada, 29% são unidades de conservação, 27% estão nas mãos de tribos indígenas e 22% são áreas protegidas.

Se há uma tendência a explorar mais o potencial hidrelétrico do país, que hoje estaria em 150 mil MW e com menos de 40% em utilização, outras fontes renováveis deverão ganhar espaço na matriz brasileira. "A complementação pode ser feita com fontes eólicas, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas", diz Tolmasquim.

O bom resultado do leilão de eólicas, realizado no fim de 2009, ensejou otimismo. O leilão resultou na contratação de 71 projetos localizados em cinco Estados das regiões Nordeste e Sul, totalizando 1.805,7 MW, sendo 753 MW médios. O preço médio de venda de R$ 148,39 o MWh representou deságio de 21,49% em relação ao preço-teto de R$ 189 o MWh.

O êxito no leilão aponta que as usinas eólicas têm boa perspectiva e são competitivas frente a outras fontes, como a biomassa. O potencial da geração de energia por ventos no Brasil é grande, com destaque na região Nordeste, que concentra mais de 70% do potencial no segmento. "O leilão de energia eólica respondeu por cerca de 20% da necessidade de demanda anual do país, o que mostra que essas fontes têm espaço", diz o gerente de novos negócios da MPX, Roberto Miranda de Faria.

No segundo semestre de 2009, a CPFL Energia adquiriu sete parques eólicos no Rio Grande do Norte. No leilão de contratação de energia eólica, em dezembro, a empresa conseguiu comercializá-la a R$ 150 o MWh. As obras para construção das usinas serão iniciadas em agosto e deverão ser concluídas em julho de 2012. Serão instaladas 94 torres de aerogeradores, cada uma com potência de 2 MW, o que representa capacidade total de 188 MW. "Com isso, reforçamos nossa atuação em energia renovável", afirma o presidente da empresa, Wilson Ferreira Júnior.

As pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) vêm ocupando espaço, principalmente com a dificuldade na obtenção de licenças para empreendimentos de grande porte. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), há 361 PCHs em operação, que respondem por 3% da matriz de geração de energia elétrica. Há mais 70 projetos em construção que poderão elevar em 30% a potência do segmento.

Outro segmento que desponta com destaque são as usinas de açúcar e álcool que poderão gerar energia a partir da biomassa de cana-de-açúcar. Antes do racionamento de energia elétrica, em 2001, a cogeração por bagaço de cana representava 120 MW de energia no Brasil. Quase dez anos depois, a capacidade pulou para mais de 3 mil MW - cerca de 3% da potência do país. Um número que poderá aumentar expressivamente, já que boa parte das usinas não gera bioletricidade.

Na década passada, os produtores de cana não ganharam espaço apenas na geração de energia elétrica, mas no abastecimento da frota de veículos do país. Segundo a União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), nos últimos dez anos, a participação do petróleo e derivados na matriz brasileira diminuiu cerca de nove pontos percentuais: passou de 45,5% em 2000 para 37,3% em 2008.

Confirmado o avanço das energias renováveis, o Brasil continuará em posição de destaque. Sustentada pelo consumo de etanol na frota de veículos e pela geração de energia elétrica por usinas hidrelétricas, cerca de 50% da capacidade energética do país se origina de fontes renováveis. Os números são diferentes dos vistos em outros países do mundo: apenas 13% da energia das matrizes energéticas do mundo, em média, têm origem em fontes limpas.(Valor Econômico)