sexta-feira, 14 de março de 2014

Ajuda a setor elétrico adia reajuste de contas de luz

Em uma estratégia arriscada, o governo anunciou um pacote de três grandes medidas para o setor elétrico que evitam o repasse imediato às contas de luz do acionamento intenso das usinas térmicas e da insolvência financeira das distribuidoras de energia, mas jogou para a frente qualquer decisão sobre aumento de tarifas.

Duas das três medidas são estritamente financeiras. Em uma delas, o Tesouro Nacional fará um aporte adicional de R$ 4 bilhões na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), o fundo setorial que banca a redução das tarifas de energia. Já a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), uma sociedade de direito privado e sem fins lucrativos mantida pelos agentes que atuam no mercado, ficará responsável por financiamentos de R$ 8 bilhões para assumir os gastos mensais das distribuidoras.

O novo aporte do Tesouro, no qual já está incluído o socorro de R$ 1,2 bilhão às distribuidoras para as despesas de janeiro e anunciado na semana passada, é a fundo perdido e não será "devolvido" pelos consumidores. Fica fora, portanto, dos reajustes das contas de luz e não pressionará a inflação. Enquanto isso, o financiamento da CCEE precisará ser repassado às tarifas, mas não há data para isso.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que as medidas foram tomadas para "equacionar a elevação temporária" dos custos de energia. À primeira vista, assusta a diferença entre os R$ 12 bilhões que estão sendo levantados agora para pagar todas as despesas previstas em 2014 e as estimativas feitas pelo mercado, que vê um gasto de R$ 18 bilhões a R$ 20 bilhões neste ano. A diferença entre esses números rebate no risco da terceira grande medida anunciada ontem pelo governo: a realização de um novo leilão de energia existente, em 25 de abril, com entrega da eletricidade a partir de maio.

Com esse leilão, o governo espera fechar pelo menos parte do "rombo" de 3,5 mil MW médios das distribuidoras, que não conseguiram contratar esse volume de eletricidade nos últimos certames. Para atender seus clientes, elas recorrem ao mercado de curto prazo, onde o preço do megawatt-hora atingiu pico histórico de R$ 823.

Se o leilão for um sucesso, troca-se uma parte da energia mais cara do mercado de curto prazo por um megawatt-hora mais barato, que tem teto estipulado pelo governo na disputa. Mas é justamente aí que começa o risco.

Ninguém pode garantir quantos e quais donos de usinas, em um momento de preços historicamente altos, vão oferecer eletricidade em um leilão que irá amarrá-los a um valor fixo. Em dezembro, quando fez o último leilão de energia existente, o governo usou uma tarifa máxima de R$ 192 e contratou menos de metade da demanda apresentada pelas distribuidoras. Já se cogita, no mercado, que a Petrobras terá forte participação, com usinas térmicas, para assegurar oferta.

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, recusou-se a antecipar as tarifas do novo leilão e qual é a expectativa de contratação. "Temos uma oferta disponível muito maior do que o buraco que resta. É só equilibrar o preço", observou.

O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Romeu Rufino, enfatizou que as contas de luz não vão sofrer nenhum peso adicional, neste ano, com o aporte do Tesouro nem com os empréstimos a serem tomados pela CCEE. A única pressão, segundo ele, virá do déficit de R$ 5,6 bilhões na CDE. Isso provocará um aumento adicional de 4,6 pontos percentuais nos reajustes de 2014.

Questionado se fica algum esqueleto para o ano que vem, Rufino foi evasivo. "Essa decisão ainda não existe", afirmou o diretor. Já existem R$ 9,8 bilhões represados desde o ano passado, além dos R$ 8 bilhões de empréstimos de 2014.

Tolmasquim espera que o reajuste de tarifas possa ser minimizado com a oferta de 5 mil MW médios de hidrelétricas cujas concessões expiram em 2015. São usinas da Cesp, Cemig e da Copel. As tarifas dessas usinas, que hoje são de mais de R$ 100 por MWh, vão baixar para menos de R$ 30 por exigência do novo modelo do setor. Com isso, o governo antevê a hipótese de que as distribuidoras comprem energia mais barata, mas continuem cobrando o mesmo dos consumidores nas contas de luz. Assim, haveria recursos para ressarcir a CCEE e até o Tesouro.

Para isso dar certo, no entanto, é preciso excluir do cenário qualquer disputa judicial que preserve essas concessões nas mãos das empresas atuais. E ninguém, durante o anúncio do pacote, tocou no ponto mais polêmico: a CCEE tem um estatuto que a impede de tomar financiamentos. Será preciso votar a mudança em assembleia com a participação de geradoras, comercializadoras e distribuidoras. O Valor apurou que empresas, irritadas com as medidas, já preparam fortes questionamentos.(Valor Econômico)
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