quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

'Conta da energia' eleva pressão fiscal

A pressão fiscal criada pelo setor elétrico sobre as contas públicas será muito maior do que o previsto até agora. Além dos R$ 9 bilhões que já estão no orçamento federal, o Tesouro Nacional será pressionado a arrumar outros R$ 5,6 bilhões para cobrir gastos com subsídios tarifários e indenizações a empresas de geração de energia e também precisará achar espaço para socorrer as distribuidoras que estão comprando energia mais cara por causa da ligação das termelétricas - uma conta que o setor privado estima que pode chegar a R$ 18 bilhões esse ano.

A alternativa a esse gasto adicional, que significaria uma piora na meta de superávit fiscal, é repassar os custos à tarifa dos consumidores finais. O impacto na inflação, já próxima do teto de 6,5% ao ano, não será irrelevante. Segundo cálculos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), será necessário um repasse de 4,6% para as contas de luz para cobrir o desequilíbrio de R$ 5,6 bilhões já estimado nas contas do setor. Não há projeção para o impacto que a ajuda às distribuidoras significaria nas tarifas. O governo também poderá combinar algum repasse aos preços com uma nova rodada de ajuda às distribuidoras.

"Já foi declarado tanto pelo ministro Mantega [Guido Mantega, da Fazenda] como pelo ministro Lobão [Edison Lobão, de Minas e Energia] que, se houver necessidade, haverá aporte para cobrir o custo das térmicas no ano de 2014", disse o diretor da Aneel, André Pepitone.

A Aneel também quer adiar uma parte do aumento das contas de luz que aconteceria neste ano. Pelas regras atuais, as tarifas de 2014 seriam corrigidas levando em conta que os consumidores reembolsariam parte do dinheiro que o Tesouro repassou ao setor elétrico em 2013. Pepitone, no entanto, informou que este reembolso à CDE não será feito pelo consumidor em 2014 e que o governo considera "isentar" os consumidores desse pagamento. O retorno dos recursos à CDE pode ser feito em até cinco anos.

O governo enfrenta hoje um processo de perda de credibilidade da política fiscal. Investidores, economistas e agentes do mercado financeiro esperam um sinal de austeridade fiscal quando o Tesouro anunciar o contingenciamento das despesas orçamentárias do ano, o que deve acontecer até o próximo dia 20. Não se sabe se essa despesa adicional com o socorro às distribuidoras será incorporada ao decreto de contingenciamento, repassada às tarifas ou se o governo encontrará alguma outra solução. O próprio governo argumenta que não há como estimar essa despesa porque não se sabe como será o regime de chuvas.

Ontem, a diretoria da Aneel colocou em consulta pública a proposta de orçamento da CDE para esse ano. Entre as receitas estão dos R$ 9 bilhões previstos pelo Tesouro no orçamento de 2014. Já pelo lado das despesas, há apenas R$ 309 milhões em repasses às distribuidoras de energia. Como o próprio relator esclareceu em seu voto, esses pagamentos são relativos a 2013. Não há nada previsto para 2014. Para se ter uma ideia da dimensão que o problema pode alcançar, no ano passado, o Tesouro transferiu R$ 9,8 bilhões à CDE para socorrer as distribuidoras.

A CDE é um fundo setorial que cobre despesas que vão desde a tarifa social de energia, o programa Luz para Todos e o subsídio ao óleo combustível usado no sistema elétrico do Norte do país. No ano passado, excepcionalmente, um decreto da presidente Dilma Rousseff determinou que o fundo também cobrisse os custos decorrentes da ligação das termelétricas. Mas essa ajuda estava restrita aos gastos ocorridos até dezembro. Se houver a decisão de uma nova ajuda, será preciso um outro decreto.

Com a falta de chuvas, tanto em 2013 quanto nesse início de ano, o governo vem acionando regularmente as usinas termelétricas, que custam muito mais para operar do que as hidrelétricas. Isso faz com que o preço da energia suba. Atualmente, está no máximo permitido em lei, de R$ 822,83.

As distribuidoras têm dois problemas. São obrigadas a comprar essa energia mais cara porque parte das usinas geradoras não aderiu à proposta do governo de renovação antecipada das concessões. Com isso, as distribuidoras ficaram sem uma parte da energia que são obrigadas a fornecer aos consumidores. Para cobrir esse descasamento, compra energia pelo preço alto. O outro problema é no caixa: quando o valor da energia sobe, as distribuidoras fazem o pagamento quase à vista, mas só recebem o dinheiro de volta um ano depois, no reajuste das tarifas.

A Aneel estimou em R$ 17,9 bilhões as despesas totais da CDE em 2014. O peso maior está na contas de combustíveis dos sistemas da região Norte (R$ 4,5 bilhões), subsídio a descontos na conta de energia (R$ 3,8 bilhões) e indenizações à concessionárias (R$ 3,1 bilhões). Procurado, o Tesouro Nacional informou que não comentaria o assunto e caberia à Aneel fazer os esclarecimentos. (Valor Econômico)
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