quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Agências reguladoras e o Brasil do futuro

O Brasil prepara-se para receber uma nova administração federal. No cenário das eleições de outubro, todos os candidatos a presidente têm enfatizado que veem no desenvolvimento da infraestrutura um fator essencial para a construção de um País à altura de nossas aspirações. Temos, portanto, uma bela oportunidade para contar com o apoio do novo líder nacional na difícil tarefa de educar a sociedade para o decisivo papel das tão mal compreendidas e tão maltratadas agências reguladoras. Sem agências fortes e autônomas o sonho de um Brasil com infraestrutura de Primeiro Mundo continuará a ser postergado.

Entender o papel das agências reguladoras é difícil porque essas instituições de Estado envolvem alguns conceitos complexos e pouco intuitivos. São conceitos baseados na necessidade de separar governo de Estado e no desafio de explicar que o setor de infraestrutura é regido por uma dinâmica de longo prazo, que segue uma lógica menos parecida com o jogo de damas e mais parecida com o jogo de xadrez.

Quem não consegue pensar quatro ou cinco lances à frente tem dificuldade de entender as atribuições de um regulador. Entender o propósito das agências reguladoras significa, essencialmente, perceber como as interferências políticas de curto prazo provocadas por atores com agendas individuais e/ou imediatistas destroem valor em setores onde as unidades de tempo são medidas em décadas.

Agências reguladoras são entidades de Estado, e não de governo. Estado é a instituição que paira acima dos sabores ideológicos dos governos, os quais se alternam, no caso do Brasil, a cada quatro anos. Portanto, instituições de Estado são diferentes de instituições de governo, porque estas últimas - pela natural imposição das expectativas imediatistas dos eleitores - tendem a privilegiar o curto prazo, com decisões muitas vezes incompatíveis com a realidade do setor de infraestrutura, que, por ser intensivo em capital e de retorno de longo prazo, é extremamente sensível aos riscos de mudanças nas regras do jogo decorrentes da alternância dos governantes.

Vejamos a relevância das agências reguladoras no setor de energia. Quando, por exemplo, é assinado um contrato de concessão de 30 anos entre o Estado e um empreendedor que se propõe a construir e operar uma usina hidrelétrica arrematada num leilão, tanto o Estado quanto o empreendedor assumem um compromisso que atravessará pelo menos sete eleições presidenciais diferentes. Como garantir que o contrato será respeitado e que as aplicações das regras contratuais serão pautadas pelo equilíbrio entre os interesses do governo, do empreendedor e dos consumidores de energia?

A única forma de garantir que o contrato será cumprido é blindando-o contra as pressões de governos ou contra as "interferências políticas", terminologia usada pela jovem disciplina da Teoria da Regulação. E a única entidade capaz de assumir esse papel com lente de longo prazo é a agência reguladora, que cuidará do contrato e evitará que ele seja atacado de forma oportunista.

Uma vez estabelecido o papel do regulador, não deixa de ser complexa sua implementação porque construir um ambiente regulatório estável exige dotar as agências reguladoras de autonomia administrativa e independência decisória. E em ambas as dimensões a História recente brasileira apresenta falhas graves.

É impossível esperar que uma agência como a Aneel - que regula o setor elétrico e disciplina uma intrincada cadeia de valor que fatura anualmente cerca de R$ 120 bilhões - consiga atuar com autonomia administrativa se não tiver autonomia financeira. Diante disso, é escandaloso o chamado "contingenciamento de recursos", um eufemismo para a repetida apropriação de recursos tarifários feita pelo governo federal.

Nos últimos três anos, o contingenciamento dos recursos do orçamento destinado à Aneel girou ao redor de dois terços. Isso significa que o governo tem retido os recursos coletados por um encargo embutido nas contas de luz pagas pelos consumidores, a Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica. Ou seja, apenas um terço do dinheiro que deveria ser destinado à Aneel para que ela fiscalize e regule o serviço de eletricidade tem chegado aos cofres da agência. De duas, uma: ou o governo repassa a totalidade dos recursos à agência ou se reduzam esse encargo e as tarifas de eletricidade, em benefício do consumidor.

Tão importante quanto a autonomia administrativa é a independência decisória, que começa por contar com diretores na Aneel com estatura suficiente para suportar as pressões do cargo e, uma vez tomada uma decisão, sejam capazes de mantê-la. Qual o segredo para garantir essa altivez? Selecionar as pessoas corretas, sem trocas políticas, por critérios técnicos e transparentes.

Nada muito diferente do critério que headhunters adotam para selecionar um executivo para cargos de alta direção: formação acadêmica sólida, experiência profissional relevante e uma história pessoal inatacável do ponto de vista ético e de vínculos político-ideológicos que possam contaminar sua atuação na agência.

Terá o próximo presidente da República a sabedoria para resgatar a autonomia administrativa e a independência decisória das agências reguladoras? Parece paradoxal, mas deve partir da autoridade que mais concentra poder político a responsabilidade de criar agências imunes a interferências políticas. Com agências autônomas e independentes, o cenário da infraestrutura nacional receberá uma injeção de ânimo e de recursos, permitindo que o Brasil entre numa trajetória de crescimento econômico compatível com nossos sonhos.laudio J.D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil (O Estado de S.Paulo)
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