sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A energia precisa ser livre

Ao contrário do que muitos pensam, existem consumidores no Brasil que podem escolher o fornecedor de eletricidade, ou seja, não são cativos da distribuidora de sua região. São as grandes empresas. A liberdade de escolha permite selecionar a fonte dos megawatts (hidrelétricos, nucleares, eólicos, solares etc.), o custo a ser arcado e a melhor forma de pagamento e recebimento do insumo. Não é à toa que 60% do PIB industrial nacional aderiu a esse ambiente. Algo que deveria ser expandido a todos os cidadãos, não é verdade? Infelizmente, não é o que pensa parte das autoridades do setor. A mão forte governamental ameaça novamente as boas regras do jogo energético brasileiro, o que pode comprometer investimentos e contribuir para a alta dos preços.

Consolidado, o mercado livre representa cerca de 27% do consumo nacional, com volume anual negociado superior a R$ 40 bilhões, permitindo à indústria brasileira a redução de custos com a aquisição de energia elétrica. Gera impostos, empregos e renda, com ótima contribuição ao país, sucesso que deveria ser incentivado pelo governo federal.

Ao contrário, entretanto, o mercado livre recebeu uma ducha fria: a Portaria nº 455, que elimina o registro mensal de contratos (denominado ex-post) e revela uma estratégia aparentemente contraditória das autoridades sobre a redução do preço da energia no Brasil. O registro ex-post permite às indústrias ajustarem seus contratos ao consumo real. Ao eliminá-lo, criaram-se riscos desnecessários ao mercado e ineficiências de contratação que vão redundar só em custos burocráticos e aumento de preços aos consumidores industriais do mercado livre.

O pacote 455, do Ministério de Minas e Energia, foi publicado de forma inesperada, antecedendo a iniciativa de redução de tarifas na renovação de concessões. A surpresa inicial foi a falta de discussão prévia com o setor sobre a obrigatoriedade de revelação dos preços de contratos bilaterais livremente pactuados entre agentes protegidos por cláusulas de confidencialidade. Também surpreende a invasão de competência da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em matéria de regulação do mercado.

O mercado livre no Brasil funciona razoavelmente bem, apesar das amarras legais e regulatórias que o impedem de crescer. Aliás, vale registrar, cresceu de forma explosiva exatamente durante a gestão da então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, que, ao criar o novo modelo do setor elétrico, percebeu muito bem que seria por meio do mercado livre a melhor chance para escoar a grande quantidade de energia elétrica que estava encalhada face às restrições de consumo impostas pelo racionamento.

A análise técnica da Aneel sobre a Portaria 
nº 455 sugere, entre outros pontos, que a definição de índices de preços poderia contribuir para a formação de conluio entre agentes, caminhando no sentido oposto à pretensa ampliação da transparência desejada. Ora, o nome de toda essa confusão, em bom português, é risco regulatório. O pacote fragiliza o marco regulatório do setor elétrico, passando péssima imagem para os investidores. Se implantada como proposto, a portaria afetará os contratos existentes, exigindo renegociação que, muito provavelmente, acabará nos tribunais.

A simples suspensão da Portaria 455, como chegou a ser discutido no fim do ano passado, poderia possibilitar uma discussão mais abrangente com outras áreas do governo e da sociedade sobre seus pontos principais. Esse seria o caminho natural para restabelecer a ordem lógica de regulação no setor elétrico brasileiro, evitando mais custos para a combalida competitividade da indústria nacional. Autor: REGINALDO MEDEIROS - Presidente executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) (Correio Braziliense)
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